Dispõe sobre as
terras devolutas no
Império, e acerca das que são possuídas por titulo de sesmaria sem
preenchimento das
condições legais. bem como por simples titulo de posse mansa e pacifica;
e determina
que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo
oneroso, assim para
empresas particulares, como para o estabelecimento de colonias de
nacionaes e de
extrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonisação extrangeira
na forma que se
declara D. Pedro II, por Graça de Deus e Unanime Acclamação dos Povos,
Imperador
Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil: Fazemos saber a todos os
Nossos Subditos,
que a Assembléa Geral Decretou, e Nós queremos a Lei seguinte:
Art. 1º Ficam prohibidas as
acquisições de terras
devolutas por outro titulo que não seja o de compra.
Exceptuam-se as terras situadas nos
limites do
Imperio com paizes estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes
poderão ser concedidas
gratuitamente.
Art. 2º Os que se apossarem de
terras devolutas ou
de alheias, e nellas derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão
obrigados a despejo,
com perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a seis
mezes do prisão e
multa de 100$, além da satisfação do damno causado. Esta pena, porém, não
terá logar
nos actos possessorios entre heréos confinantes.
Paragrapho unico. Os Juizes de
Direito nas
correições que fizerem na forma das leis e regulamentos, investigarão se
as autoridades
a quem compete o conhecimento destes delictos põem todo o cuidado em
processal-os o
punil-os, e farão effectiva a sua responsabilidade, impondo no caso de
simples
negligencia a multa de 50$ a 200$000.
Art. 3º São terras devolutas:
§ 1º As que não se acharem
applicadas a algum uso
publico nacional, provincial, ou municipal.
§ 2º As que não se acharem no
dominio particular
por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras
concessões do
Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do
cumprimento das
condições de medição, confirmação e cultura.
§ 3º As que não se acharem dadas
por sesmarias,
ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso,
forem revalidadas
por esta Lei.
§ 4º As que não se acharem
occupadas por posses,
que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por
esta Lei.
Art. 4º Serão revalidadas as
sesmarias, ou outras
concessões do Governo Geral ou Provincial, que se acharem cultivadas, ou
com principios
de cultura, e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionario,
ou do quem os
represente, embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições,
com que foram
concedidas.
Art. 5º Serão legitimadas as posses
mansas e
pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro
occupante, que se
acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do
respectivo
posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:
§ 1º Cada posse em terras de
cultura, ou em campos
de criação, comprehenderá, além do terreno aproveitado ou do necessario
para pastagem
dos animaes que tiver o posseiro, outrotanto mais de terreno devoluto que
houver contiguo,
comtanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma
sesmaria para
cultura ou criação, igual ás ultimas concedidas na mesma comarca ou na
mais vizinha.
§ 2º As posses em circumstancias de
serem
legitimadas, que se acharem em sesmarias ou outras concessões do Governo,
não incursas
em commisso ou revalidadas por esta Lei, só darão direito á indemnização
pelas
bemfeitorias.
Exceptua-se desta regra o caso do
verificar-se a
favor da posse qualquer das seguintes hypotheses: 1ª, o ter sido
declarada boa por
sentença passada em julgado entre os sesmeiros ou concessionarios e os
posseiros; 2ª,
ter sido estabelecida antes da medição da sesmaria ou concessão, e não
perturbada por
cinco annos; 3ª, ter sido estabelecida depois da dita medição, e não
perturbada por 10
annos.
§ 3º Dada a excepção do paragrapho
antecedente,
os posseiros gozarão do favor que lhes assegura o § 1°, competindo ao
respectivo
sesmeiro ou concessionario ficar com o terreno que sobrar da divisão
feita entre os ditos
posseiros, ou considerar-se tambem posseiro para entrar em rateio igual
com elles.
§ 4º Os campos de uso commum dos
moradores de uma
ou mais freguezias, municipios ou comarcas serão conservados em toda a
extensão de suas
divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso, conforme a pratica actual,
emquanto por Lei
não se dispuzer o contrario.
Art. 6º Não se haverá por principio
do cultura
para a revalidação das sesmarias ou outras concessões do Governo, nem
para a
legitimação de qualquer posse, os simples roçados, derribadas ou queimas
de mattos ou
campos, levantamentos de ranchos e outros actos de semelhante natureza,
não sendo
acompanhados da cultura effectiva e morada habitual exigidas no artigo
antecedente.
Art. 7º O Governo marcará os prazos
dentro dos
quaes deverão ser medidas as terras adquiridas por posses ou por
sesmarias, ou outras
concessões, que estejam por medir, assim como designará e instruirá as
pessoas que
devam fazer a medição, attendendo ás circumstancias de cada Provincia,
comarca e
municipio, o podendo prorogar os prazos marcados, quando o julgar
conveniente, por medida
geral que comprehenda todos os possuidores da mesma Provincia, comarca e
municipio, onde a
prorogação convier.
Art. 8º Os possuidores que deixarem
de proceder á
medição nos prazos marcados pelo Governo serão reputados cahidos em
commisso, e
perderão por isso o direito que tenham a serem preenchidos das terras
concedidas por seus
titulos, ou por favor da presente Lei, conservando-o sómente para serem
mantidos na posse
do terreno que occuparem com effectiva cultura, havendo-se por devoluto o
que se achar
inculto.
Art. 9º Não obstante os prazos que
forem marcados,
o Governo mandará proceder á medição das terras devolutas, respeitando-se
no acto da
medição os limites das concessões e posses que acharem nas circumstancias
dos arts. 4º
e 5º.
Qualquer opposição que haja da
parte dos
possuidores não impedirá a medição; mas, ultimada esta, se continuará
vista aos
oppoentes para deduzirem seus embargos em termo breve.
As questões judiciarias entre os
mesmos possuidores
não impedirão tão pouco as diligencias tendentes á execução da presente
Lei.
Art. 10. O Governo proverá o modo
pratico de
extremar o dominio publico do particular, segundo as regras acima
estabelecidas,
incumbindo a sua execução ás autoridades que julgar mais convenientes, ou
a
commissarios especiaes, os quaes procederão administrativamente, fazendo
decidir por
arbitros as questões e duvidas de facto, e dando de suas proprias
decisões recurso para
o Presidente da Provincia, do qual o haverá tambem para o Governo.
Art. 11. Os posseiros serão
obrigados a tirar
titulos dos terrenos que lhes ficarem pertencendo por effeito desta Lei,
e sem elles não
poderão hypothecar os mesmos terrenos, nem alienal-os por qualquer modo.
Esses titulos serão passados pelas
Repartições
provinciaes que o Governo designar, pagando-se 5$ de direitos de
Chancellaria pelo terreno
que não exceder de um quadrado de 500 braças por lado, e outrotanto por
cada igual
quadrado que de mais contiver a posse; e além disso 4$ de feitio, sem
mais emolumentos ou
sello.
Art. 12. O Governo reservará das
terras devolutas
as que julgar necessarias: 1º, para a colonisação dos indigenas; 2º, para
a fundação
de povoações, abertura de estradas, e quaesquer outras servidões, e
assento de
estabelecimentos publicos: 3º, para a construção naval.
Art. 13. O mesmo Governo fará
organizar por
freguezias o registro das terras possuidas, sobre as declaracões feitas
pelos respectivos
possuidores, impondo multas e penas áquelles que deixarem de fazer nos
prazos marcados as
ditas declarações, ou as fizerem inexactas.
Art. 14. Fica o Governo autorizado
a vender as
terras devolutas em hasta publica, ou fóra della, como e quando julgar
mais conveniente,
fazendo previamente medir, dividir, demarcar e descrever a porção das
mesmas terras que
houver de ser exposta á venda, guardadas as regras seguintes:
§ 1º A medição e divisão serão
feitas, quando
o permittirem as circumstancias locaes, por linhas que corram de norte ao
sul, conforme o
verdadeiro meridiano, e por outras que as cortem em angulos rectos, de
maneira que formem
lotes ou quadrados de 500 braças por lado demarcados convenientemente.
§ 2º Assim esses lotes, como as
sobras de terras,
em que se não puder verificar a divisão acima indicada, serão vendidos
separadamente
sobre o preço minimo, fixado antecipadamente e pago á vista, de meio
real, um real, real
e meio, e dous réis, por braça quadrada, segundo for a qualidade e
situação dos mesmos
lotes e sobras.
§ 3º A venda fóra da hasta publica
será feita
pelo preço que se ajustar, nunca abaixo do minimo fixado, segundo a
qualidade e
situação dos respectivos lotes e sobras, ante o Tribunal do Thesouro
Publico, com
assistencia do Chefe da Repartição Geral das Terras, na Provincia do Rio
de Janeiro, e
ante as Thesourarias, com assistencia de um delegado do dito Chefe, e com
approvação do
respectivo Presidente, nas outras Provincias do Imperio.
Art. 15. Os possuidores de terra de
cultura e
criação, qualquer que seja o titulo de sua acquisição, terão preferencia
na compra
das terras devolutas que lhes forem contiguas, comtanto que mostrem pelo
estado da sua
lavoura ou criação, que tem os meios necessarios para aproveital-as.
Art. 16. As terras devolutas que se
venderem
ficarão sempre sujeitas aos onus seguintes:
§ 1º Ceder o terreno preciso para
estradas
publicas de uma povoação a outra, ou algum porto de embarque, salvo o
direito de
indemnização das bemfeitorias e do terreno occupado.
§ 2º Dar servidão gratuita aos
vizinhos quando
lhes for indispensavel para sahirem á uma estrada publica, povoação ou
porto de
embarque, e com indemnização quando lhes for proveitosa por incurtamento
de um quarto ou
mais de caminho.
§ 3º Consentir a tirada de aguas
desaproveitadas e
a passagem dellas, precedendo a indemnização das bemfeitorias e terreno
occupado.
§ 4º Sujeitar ás disposições das
Leis
respectivas quaesquer minas que se descobrirem nas mesmas terras.
Art. 17. Os estrangeiros que
comprarem terras, e
nellas se estabelecerem, ou vierem á sua custa exercer qualquer industria
no paiz, serão
naturalisados querendo, depois de dous annos de residencia pela fórma por
que o foram os
da colonia de S, Leopoldo, e ficarão isentos do serviço militar, menos do
da Guarda
Nacional dentro do municipio.
Art. 18. O Governo fica autorizado
a mandar vir
annualmente á custa do Thesouro certo numero de colonos livres para serem
empregados,
pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos
trabalhos dirigidos pela
Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que
estas mais
convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes
colonos achem
emprego logo que desembarcarem.
Aos colonos assim importados são
applicaveis as
disposições do artigo antecedente.
Art. 19. O producto dos direitos de
Chancellaria e
da venda das terras, de que tratam os arts. 11 e 14 será exclusivamente
applicado: 1°,
á ulterior medição das terras devolutas e 2°, a importação de colonos
livres,
conforme o artigo precedente.
Art. 20. Emquanto o referido
producto não for
sufficiente para as despezas a que é destinado, o Governo exigirá
annualmento os
creditos necessarios para as mesmas despezas, ás quaes applicará desde já
as sobras que
existirem dos creditos anteriormente dados a favor da colonisação, e mais
a somma de
200$000.
Art. 21. Fica o Governo autorizado
a estabelecer,
com o necessario Regulamento, uma Repartição especial que se denominará -
Repartição
Geral das Terras Publicas - e será encarregada de dirigir a medição,
divisão, e
descripção das terras devolutas, e sua conservação, de fiscalisar a venda
e
distribuição dellas, e de promover a colonisação nacional e estrangeira.
Art. 22. O Governo fica autorizado
igualmente a
impor nos Regulamentos que fizer para a execução da presente Lei, penas
de prisão até
tres mezes, e de multa até 200$000.
Art. 23. Ficam derogadas todas as
disposições em
contrario.
Mandamos, portanto, a todas as
autoridades, a quem o
conhecimento, e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e
façam cumprir, e
guardar tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado
dos Negocios do
Imperio a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palacio do Rio de Janeiro
aos 18 dias do mez
do Setembro de 1850, 29º da Independencia e do Imperio.
IMPERADOR com a rubrica e guarda.
Visconde de Mont'alegre.
Carta de lei, pela qual Vossa
Magestade Imperial
Manda executar o Decreto da Assembléa Geral, que Houve por bem
Sanccionar, sobre terras
devolutas, sesmarias, posses e colonisação.
Para Vossa Magestade Imperial Ver.
João Gonçalves de Araujo a fez.
Euzebio de Queiroz Coitiuho Mattoso Camara.
Sellada na Chancellaria do Imperio
em 20 de Setembro
de 1850. - Josino do Nascimento Silva.
Publicada na Secretaria de Estado
dos Negocios do
Imperio em 20 de setembro de 1850. - José de Paiva Magalhães Calvet.
Registrada á fl. 57 do livro 1º do
Actos
Legislativos. Secretaria d'Estado dos Negocios do Imperio em 2 de outubro
de 1850. -
Bernardo José de Castro