O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber
que o Congresso Nacional decreta
e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
Dos Aspectos
Caracterizadores
CAPÍTULO I
Do Conceito,
da Extensão e da Exclusão
SEÇÃO I
Do Conceito
Art. 1º Será reconhecido como
refugiado todo indivíduo
que:
I - devido a
fundados temores de
perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,
grupo social ou opiniões
políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e
não possa ou não queira
acolher-se à proteção de tal país;
II - não
tendo nacionalidade e estando fora
do país onde antes teve sua residência habitual, não possa
ou não queira regressar a
ele, em função das circunstâncias descritas no inciso
anterior;
III - devido
a grave e generalizada
violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país
de nacionalidade para
buscar refúgio em outro país.
SEÇÃO II
Da Extensão
Art. 2º Os
efeitos da condição dos
refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e
descendentes, assim como aos
demais membros do grupo familiar que do refugiado
dependerem economicamente, desde que se
encontrem em território nacional.
SEÇÃO III
Da Exclusão
Art. 3º Não
se beneficiarão da condição
de refugiado os indivíduos que:
I - já
desfrutem de proteção ou
assistência por parte de organismo ou instituição das
Nações Unidas que não o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR;
II - sejam
residentes no território nacional
e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição
de nacional brasileiro;
III - tenham
cometido crime contra a paz,
crime de guerra, crime contra a humanidade, crime
hediondo, participado de atos
terroristas ou tráfico de drogas;
IV - sejam
considerados culpados de atos
contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
CAPÍTULO II
Da Condição
Jurídica de Refugiado
Art. 4º O
reconhecimento da condição de
refugiado, nos termos das definições anteriores, sujeitará
seu beneficiário ao
preceituado nesta Lei, sem prejuízo do disposto em
instrumentos internacionais de que o
Governo brasileiro seja parte, ratifique ou venha a
aderir.
Art. 5º O
refugiado gozará de direitos e
estará sujeito aos deveres dos estrangeiros no Brasil, ao
disposto nesta Lei, na
Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e no
Protocolo sobre o Estatuto dos
Refugiados de 1967, cabendo-lhe a obrigação de acatar as
leis, regulamentos e
providências destinados à manutenção da ordem pública.
Art. 6º O
refugiado terá direito, nos
termos da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de
1951, a cédula de identidade
comprobatória de sua condição jurídica, carteira de
trabalho e documento de viagem.
TÍTULO II
Do Ingresso no
Território Nacional e do
Pedido de Refúgio
Art. 7º O
estrangeiro que chegar ao
território nacional poderá expressar sua vontade de
solicitar reconhecimento como
refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre
na fronteira, a qual lhe
proporcionará as informações necessárias quanto ao
procedimento cabível.
§ 1º Em
hipótese alguma será efetuada sua
deportação para fronteira de território em que sua vida ou
liberdade esteja ameaçada,
em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social
ou opinião política.
§ 2º O
benefício previsto neste artigo
não poderá ser invocado por refugiado considerado perigoso
para a segurança do Brasil.
Art. 8º O
ingresso irregular no território
nacional não constitui impedimento para o estrangeiro
solicitar refúgio às autoridades
competentes.
Art. 9º A
autoridade a quem for apresentada
a solicitação deverá ouvir o interessado e preparar termo
de declaração, que deverá
conter as circunstâncias relativas à entrada no Brasil e
às razões que o fizeram
deixar o país de origem.
Art. 10. A
solicitação, apresentada nas
condições previstas nos artigos anteriores, suspenderá
qualquer procedimento
administrativo ou criminal pela entrada irregular,
instaurado contra o peticionário e
pessoas de seu grupo familiar que o acompanhem.
§ 1º Se a
condição de refugiado for
reconhecida, o procedimento será arquivado, desde que
demonstrado que a infração
correspondente foi determinada pelos mesmos fatos que
justificaram o dito reconhecimento.
§ 2º Para
efeito do disposto no parágrafo
anterior, a solicitação de refúgio e a decisão sobre a
mesma deverão ser comunicadas
à Polícia Federal, que as transmitirá ao órgão onde
tramitar o procedimento
administrativo ou criminal.
TÍTULO III
Do Conare
Art. 11. Fica
criado o Comitê Nacional para
os Refugiados - CONARE, órgão de deliberação coletiva, no
âmbito do Ministério da
Justiça.
CAPÍTULO I
Da Competência
Art. 12.
Compete ao CONARE, em consonância
com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951,
com o Protocolo sobre o
Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de
direito internacional dos
refugiados:
I - analisar
o pedido e declarar o
reconhecimento, em primeira instância, da condição de
refugiado;
II - decidir
a cessação, em primeira
instância, ex officio ou mediante requerimento das
autoridades competentes, da
condição de refugiado;
III -
determinar a perda, em primeira
instância, da condição de refugiado;
IV - orientar
e coordenar as ações
necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio
jurídico aos refugiados;
V - aprovar
instruções normativas
esclarecedoras à execução desta Lei.
Art. 13. O
regimento interno do CONARE será
aprovado pelo Ministro de Estado da Justiça.
Parágrafo
único. O regimento interno
determinará a periodicidade das reuniões do CONARE.
CAPÍTULO II
Da Estrutura e
do Funcionamento
Art. 14. O
CONARE será constituído por:
I - um
representante do Ministério da
Justiça, que o presidirá;
II - um
representante do Ministério das
Relações Exteriores;
III - um
representante do Ministério do
Trabalho;
IV - um
representante do Ministério da
Saúde;
V - um
representante do Ministério da
Educação e do Desporto;
VI - um
representante do Departamento de
Polícia Federal;
VII - um
representante de organização
não-governamental, que se dedique a atividades de
assistência e proteção de refugiados
no País.
§ 1º O Alto
Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados - ACNUR será sempre membro
convidado para as reuniões do CONARE,
com direito a voz, sem voto.
§ 2º Os
membros do CONARE serão designados
pelo Presidente da República, mediante indicações dos
órgãos e da entidade que o
compõem.
§ 3º O CONARE
terá um Coordenador-Geral,
com a atribuição de preparar os processos de requerimento
de refúgio e a pauta de
reunião.
Art. 15. A
participação no CONARE será
considerada serviço relevante e não implicará remuneração
de qualquer natureza ou
espécie.
Art. 16. O
CONARE reunir-se-á com quorum
de quatro membros com direito a voto, deliberando por
maioria simples.
Parágrafo
único. Em caso de empate,
será considerado voto decisivo o do Presidente do CONARE.
TÍTULO IV
Do Processo de
Refúgio
CAPÍTULO I
Do
Procedimento
Art. 17. O
estrangeiro deverá apresentar-se
à autoridade competente e externar vontade de solicitar o
reconhecimento da condição de
refugiado.
Art. 18. A
autoridade competente notificará
o solicitante para prestar declarações, ato que marcará a
data de abertura dos
procedimentos.
Parágrafo
único. A autoridade competente
informará o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados - ACNUR sobre a
existência do processo de solicitação de refúgio e
facultará a esse organismo a
possibilidade de oferecer sugestões que facilitem seu
andamento.
Art. 19. Além
das declarações, prestadas
se necessário com ajuda de intérprete, deverá o
estrangeiro preencher a solicitação
de reconhecimento como refugiado, a qual deverá conter
identificação completa,
qualificação profissional, grau de escolaridade do
solicitante e membros do seu grupo
familiar, bem como relato das circunstâncias e fatos que
fundamentem o pedido de
refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes.
Art. 20. O
registro de declaração e a
supervisão do preenchimento da solicitação do refúgio
devem ser efetuados por
funcionários qualificados e em condições que garantam o
sigilo das informações.
CAPÍTULO II
Da Autorização
de Residência Provisória
Art. 21.
Recebida a solicitação de
refúgio, o Departamento de Polícia Federal emitirá
protocolo em favor do solicitante e
de seu grupo familiar que se encontre no território
nacional, o qual autorizará a estada
até a decisão final do processo.
§ 1º O
protocolo permitirá ao Ministério
do Trabalho expedir carteira de trabalho provisória, para
o exercício de atividade
remunerada no País.
§ 2º No
protocolo do solicitante de
refúgio serão mencionados, por averbamento, os menores de
quatorze anos.
Art. 22.
Enquanto estiver pendente o processo
relativo à solicitação de refúgio, ao peticionário será
aplicável a legislação
sobre estrangeiros, respeitadas as disposições específicas
contidas nesta Lei.
CAPÍTULO III
Da Instrução e
do Relatório
Art. 23. A
autoridade competente procederá a
eventuais diligências requeridas pelo CONARE, devendo
averiguar todos os fatos cujo
conhecimento seja conveniente para uma justa e rápida
decisão, respeitando sempre o
princípio da confidencialidade.
Art. 24.
Finda a instrução, a autoridade
competente elaborará, de imediato, relatório, que será
enviado ao Secretário do
CONARE, para inclusão na pauta da próxima reunião daquele
Colegiado.
Art. 25. Os
intervenientes nos processos
relativos às solicitações de refúgio deverão guardar
segredo profissional quanto às
informações a que terão acesso no exercício de suas
funções.
CAPÍTULO IV
Da Decisão, da
Comunicação e do Registro
Art. 26. A
decisão pelo reconhecimento da
condição de refugiado será considerada ato declaratório e
deverá estar devidamente
fundamentada.
Art. 27.
Proferida a decisão, o CONARE
notificará o solicitante e o Departamento de Polícia
Federal, para as medidas
administrativas cabíveis.
Art. 28. No
caso de decisão positiva, o
refugiado será registrado junto ao Departamento de Polícia
Federal, devendo assinar
termo de responsabilidade e solicitar cédula de identidade
pertinente.
CAPÍTULO V
Do Recurso
Art. 29. No
caso de decisão negativa, esta
deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante,
cabendo direito de recurso ao
Ministro de Estado da Justiça, no prazo de quinze dias,
contados do recebimento da
notificação.
Art. 30.
Durante a avaliação do recurso,
será permitido ao solicitante de refúgio e aos seus
familiares permanecer no território
nacional, sendo observado o disposto nos §§ 1º e 2º do
art. 21 desta Lei.
Art. 31. A
decisão do Ministro de Estado da
Justiça não será passível de recurso, devendo ser
notificada ao CONARE, para ciência
do solicitante, e ao Departamento de Polícia Federal, para
as providências devidas.
Art. 32. No
caso de recusa definitiva de
refúgio, ficará o solicitante sujeito à legislação de
estrangeiros, não devendo
ocorrer sua transferência para o seu país de nacionalidade
ou de residência habitual,
enquanto permanecerem as circunstâncias que põem em risco
sua vida, integridade física
e liberdade, salvo nas situações determinadas nos incisos
III e IV do art. 3º desta
Lei.
TÍTULO V
Dos Efeitos do
Estatuto de Refugiados Sobre a
Extradição e a
Expulsão
CAPÍTULO I
Da Extradição
Art. 33. O
reconhecimento da condição de
refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de
extradição baseado nos fatos que
fundamentaram a concessão de refúgio.
Art. 34. A
solicitação de refúgio
suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de
extradição pendente, em fase
administrativa ou judicial, baseado nos fatos que
fundamentaram a concessão de refúgio.
Art. 35. Para
efeito do cumprimento do
disposto nos arts. 33 e 34 desta Lei, a solicitação de
reconhecimento como refugiado
será comunicada ao órgão onde tramitar o processo de
extradição.
CAPÍTULO II
Da Expulsão
Art. 36. Não
será expulso do território
nacional o refugiado que esteja regularmente registrado,
salvo por motivos de segurança
nacional ou de ordem pública.
Art. 37. A
expulsão de refugiado do
território nacional não resultará em sua retirada para
país onde sua vida, liberdade
ou integridade física possam estar em risco, e apenas será
efetivada quando da certeza
de sua admissão em país onde não haja riscos de
perseguição.
TÍTULO VI
Da Cessação e
da Perda da Condição de
Refugiado
CAPÍTULO I
Da Cessação da
Condição de Refugiado
Art. 38.
Cessará a condição de refugiado
nas hipóteses em que o estrangeiro:
I - voltar a
valer-se da proteção do país
de que é nacional;
II -
recuperar voluntariamente a
nacionalidade outrora perdida;
III -
adquirir nova nacionalidade e gozar da
proteção do país cuja nacionalidade adquiriu;
IV -
estabelecer-se novamente, de maneira
voluntária, no país que abandonou ou fora do qual
permaneceu por medo de ser perseguido;
V - não puder
mais continuar a recusar a
proteção do país de que é nacional por terem deixado de
existir as circunstâncias em
conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado;
VI - sendo
apátrida, estiver em condições
de voltar ao país no qual tinha sua residência habitual,
uma vez que tenham deixado de
existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi
reconhecido como refugiado.
CAPÍTULO II
Da Perda da
Condição de Refugiado
Art. 39.
Implicará perda da condição de
refugiado:
I - a
renúncia;
II - a prova
da falsidade dos fundamentos
invocados para o reconhecimento da condição de refugiado
ou a existência de fatos que,
se fossem conhecidos quando do reconhecimento, teriam
ensejado uma decisão negativa;
III - o
exercício de atividades contrárias
à segurança nacional ou à ordem pública;
IV - a saída
do território nacional sem
prévia autorização do Governo brasileiro.
Parágrafo
único. Os refugiados que perderem
essa condição com fundamento nos incisos I e IV deste
artigo serão enquadrados no
regime geral de permanência de estrangeiros no território
nacional, e os que a perderem
com fundamento nos incisos II e III estarão sujeitos às
medidas compulsórias previstas
na Lei nº 6.815, de 19 de agosto de
1980.
CAPÍTULO III
Da Autoridade
Competente e do Recurso
Art. 40.
Compete ao CONARE decidir em
primeira instância sobre cessação ou perda da condição de
refugiado, cabendo, dessa
decisão, recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no
prazo de quinze dias, contados do
recebimento da notificação.
§ 1º A
notificação conterá breve relato
dos fatos e fundamentos que ensejaram a decisão e
cientificará o refugiado do prazo para
interposição do recurso.
§ 2º Não
sendo localizado o estrangeiro
para a notificação prevista neste artigo, a decisão será
publicada no Diário Oficial
da União, para fins de contagem do prazo de interposição
de recurso.
Art. 41. A
decisão do Ministro de Estado da
Justiça é irrecorrível e deverá ser notificada ao CONARE,
que a informará ao
estrangeiro e ao Departamento de Polícia Federal, para as
providências cabíveis.
TÍTULO VII
Das Soluções
Duráveis
CAPÍTULO I
Da Repatriação
Art. 42. A
repatriação de refugiados aos
seus países de origem deve ser caracterizada pelo caráter
voluntário do retorno, salvo
nos casos em que não possam recusar a proteção do país de
que são nacionais, por não
mais subsistirem as circunstâncias que determinaram o
refúgio.
CAPÍTULO II
Da Integração
Local
Art. 43. No
exercício de seus direitos e
deveres, a condição atípica dos refugiados deverá ser
considerada quando da
necessidade da apresentação de documentos emitidos por
seus países de origem ou por
suas representações diplomáticas e consulares.
Art. 44. O
reconhecimento de certificados e
diplomas, os requisitos para a obtenção da condição de
residente e o ingresso em
instituições acadêmicas de todos os níveis deverão ser
facilitados, levando-se em
consideração a situação desfavorável vivenciada pelos
refugiados.
CAPÍTULO III
Do
Reassentamento
Art. 45. O
reassentamento de refugiados em
outros países deve ser caracterizado, sempre que possível,
pelo caráter voluntário.
Art. 46. O
reassentamento de refugiados no
Brasil se efetuará de forma planificada e com a
participação coordenada dos órgãos
estatais e, quando possível, de organizações não-
governamentais, identificando áreas
de cooperação e de determinação de responsabilidades.
TÍTULO VIII
Das
Disposições Finais
Art. 47. Os
processos de reconhecimento da
condição de refugiado serão gratuitos e terão caráter
urgente.
Art. 48. Os
preceitos desta Lei deverão ser
interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948, com
a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o
Protocolo sobre o Estatuto
dos Refugiados de 1967 e com todo dispositivo pertinente
de instrumento internacional de
proteção de direitos humanos com o qual o Governo
brasileiro estiver comprometido.
Art. 49. Esta
Lei entra em vigor na data de
sua publicação.
Brasília, 22
de julho de 1997; 176º da
Independência e 109º da República.
FERNANDO
HENRIQUE CARDOSO