|
Pelas ruas de túmulos, fomos calados. Eu olhava vagamente aquela
multidão de sepulturas, que trepavam, tocavam-se, lutavam por
espaço, na estreiteza da vaga e nas encostas das colinas aos lados.
Algumas pareciam se olhar com afeto, roçando-se amigavelmente; em
outras, transparecia a repugnåncia de estarem juntas. Havia
solicitações incompreensíveis e também repulsões e antipatias;
havia túmulos arrogantes, imponentes, vaidosos e pobres e humildes;
e, em todos, ressumava o esforço extraordinário para escapar ao
nivelamento da morte, ao apagamento que ela traz às condições e às
fortunas.
Amontoavam-se esculturas de mármore, vasos, cruzes e inscrições;
iam além; erguiam piråmides de pedra tosca, faziam caramanchéis
extravagantes, imaginavam complicações de matos e plantas - coisas
brancas e delirantes, de um mau gosto que irritava. As inscrições
exuberavam; longas, cheias de nomes, sobrenomes e datas, não nos
traziam à lembrança nem um nome ilustre sequer; em vão procurei ler
nelas celebridades, notabilidades mortas; não as encontrei. E de
tal modo a nossa sociedade nos marca um tão profundo ponto, que até
ali, naquele campo de mortos, mudo laboratório de decomposição,
tive uma imagem dela, feita inconscientemente de um propósito,
firmemente desenhada por aquele acesso de túmulos pobres e ricos,
grotescos e nobres, de mármore e pedra, cobrindo vulgaridades iguais
umas às outras por força estranha às suas vontades, a lutar...
Fomos indo. A carreta, empunhada pelas mãos profissionais dos
empregados, ia dobrando as alamedas, tomando ruas, até que chegou à
boca do soturno buraco, por onde se via fugir, para sempre do nosso
olhar, a humildade e a tristeza do contínuo da Secretaria dos
Cultos.
|
|