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Hildegardo Brandão, conhecido familiarmente por Cazuza. tinha
chegado aos seus cinqüenta anos e poucos, desesperançado; mas não
desesperado. Depois de violentas crises de desespero, rancor e
despeito, diante das injustiças, que tinha sofrido em todas as coisas
nobres que tentara na vida, viera-lhe uma beatitude de santo e uma
calma grave de quem se prepara para a morte.
Tudo tentara e em tudo mais ou menos falhara. Tentara formar-se,
foi reprovado; tentara o funcionalismo, foi sempre preterido por
colegas inferiores em tudo a ele, mesmo no burocracismo; fizera
literatura e se, de todo, não falhou, foi devido à audácia de que
se revestiu, audácia de quem "queimou os seus navios". Assim
mesmo, todas as picuinhas lhe eram feitas. As vezes, julgavam-no
inferior a certo outro, porque não tinha pasta de marroquim; outras
vezes tinham-no por inferior a determinado "antologista", porque
semelhante autor havia, quando "encostado" ao Consulado do Brasil,
em Paris, recebido como presente do Sião, uma bengala de legítimo
junco da Índia. Por essas do rei e outras ele se aborreceu e resolveu
retirar-se da liça. Com alguma renda, tendo uma pequena casa, num
subúrbio afastado, afundou-se nela, aos quarenta e cinco anos, para
nunca mais ver o mundo, como o herói de Jules Verne, no seu
"Náutilus". Comprou os seus últimos livros e nunca mais apareceu
na Rua do Ouvidor. Não se arrependeu nunca de sua independência e
da sua honestidade intelectual.
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