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VENDO-A ARRUFADA, O AMANTE FINGIU-SE ARREPENDIDO DO QUE DISSERA ... |
Vendo-a arrufada, o amante fingiu-se arrependido do que dissera, e vieram a despedir-se com palavras ternas. Ela saiu contente com o dinheiro na carteira. Havia dito ao Freitas que o destinava a uma filha que estava na Espanha; mas a verdade era que mais de metade seria empregada na compra de um presente para o seu motorista amado. Subiu a Rua do Ouvidor, parando pelas montras das casas de jóias. Que havia de ser? Um anel? Já lhe havia dado. Uma corrente? Também já lhe dera uma. Parou numa vitrine e viu uma cigarreira. Simpatizou com o objeto. Parecia caro e era ofuscante: ouro e pedrarias - uma cousa de mau gosto evidente. Achou-a maravilhosa, entrou e comprou-a sem discutir. Encaminhou-se para o bonde cheia de satisfação. Aqueles presentes como que o prendiam mais a ela; como que o ligavam eternamente à sua carne e o faziam entrar no seu sangue. A sua paixão pelo chauffeur durava havia seis meses e encontravam-se pelas bandas da Candelária, em uma casa discreta e limpa, bem freqüentada, cheia de precauções para que os freqüentadores não se vissem. - Faltava pouco para o encontro e ela aborrecia-se esperando o bonde conveniente. Havia mais impaciência nela que atraso no horário. O veículo chegou em boa hora e Lola tomou-o cheia de ardor e de desejo. Havia uma semana que ela não se encontrava com o motorista. A última vez em que se avistaram, nada de mais íntimo lhe pudera dizer. Freitas, ao contrário do costume, passeava com ela; e só lhe fora dado vê-lo soberbo, todo de branco, casquette, sentado à almofada, com o busto ereto, a guiar maravilhosamente o carro lustroso. impávido, brilhante, cuja niquelagem areada faiscava como prata nova. Marcara-lhe aquele rendez-vous com muita saudade e vontade de vê-lo e agradecer-lhe a imaterial satisfação que a máquina lhe dava. Dentro daquele bonde vulgar, num instante, ela teve novamente diante dos olhos o automóvel orgulhoso, sentiu a sua trepidação, indício de sua força, e o viu deslizar, silencioso, severo, resoluto e insolente, pelas ruas em fora, dominado pela mão destra do chauffeur que ela amava. Logo ao chegar, perguntou à dona da casa se o José estava. Soube que chegara mais cedo e já fora para o quarto. Não se demorou muito conversando com a patroa e correu ao aposento. De fato, José estava lá. Fosse calor, fosse vontade de ganhar tempo, o certo é que já havia tirado de cima de si o principal vestuário. Assim que a viu entrar, sem se erguer da cama, disse: — Pensei que não viesses. — O bonde custou muito a chegar, meu amor. Descansou a bolsa, tirou o chapéu com ambas as mãos e foi direita à cama. Sentou-se na borda, cravou o olhar no rosto grosseiro e vulgar do motorista; e, após um instante de contemplação, debruçou-se e beijou-o, com volúpia, demoradamente. O chauffeur não retribuiu a carícia; ele a julgava desnecessária naquele instante. Nele, o amor não tinha prefácios, nem epílogos; o assunto ataca-se logo. Ela não o concebia assim: resíduos da profissão e o sincero desejo daquele homem faziam-na carinhosa. Sem beijá-lo, sentada à borda da cama, esteve um momento a olhar enternecida a má e forte catadura do chauffeur José começava a impacientar-se com aquelas filigranas. Não compreendia tais rodeios que lhe pareciam ridículos — Despe-te! Aquela impaciência agradava-lhe e ela quis saboreá-la mais. Levantou-se sem pressa, começou a desabotoar-se devagar, parou e disse com meiguice: — Trago-te uma coisa. — Que é? fez ele logo. — Adivinha! — Dize lá de uma vez. Lola procurou a bolsa, abriu-a devagar e de lá retirou a cigarreira. Foi até ao leito e entregou-a ao chauffeur. Os olhos do homem incendiaram-se de cupidez; e os da mulher, ao vê-lo satisfeito, ficaram úmidos de contentamento. Continuou a despir-se e, enquanto isso, ele não deixava de apalpar, de abrir e fechar a cigarreira que recebera. Descalçava os sapatos quando o José lhe perguntou com a sua voz dura e imperiosa: —Tens passeado muito no "Pope" ? — Deves saber que não. Não o tenho mandado buscar, e tu sabes que só saio no "teu". — Não estou mais nele. — Como? — Saí da casa... Ando agora num táxi. |
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