Acho inútil contar minuciosamente este namoro de rapaz, que vocês em parte conhecem ...



Acho inútil contar minuciosamente este namoro de rapaz, que vocês em parte conhecem, e que não apresentou episódio notável. Meus pais aprovaram a minha escolha; os pais de Amélia fizeram o mesmo. Nada se opunha à nossa felicidade. Preparei-me um dia de ponto em branco e fui pedir a meu tio a mão da filha. Foi-me ela concedida, com a condição apenas de que o casamento seria efetuado alguns meses depois, quando o irmão de Amélia tivesse completado os estudos, e pudesse assistir à cerimônia com a sua carta de bacharel.

Durante este tempo Mariana estava em casa de uma parenta nossa que no-la foi pedir para costurar uns vestidos. Mariana era excelente costureira. Quando ela voltou para casa, estava assentado o meu casamento com Amélia; e, como era natural, eu passava a maior parte do tempo em casa da prima, saboreando aquelas castas efusões de amor e ternura que antecedem o casamento. Mariana notou as minhas prolongadas ausências, e, com uma dissimulação assaz inteligente, indagou de minha irmã Josefa a causa delas. Disse-lho Josefa. Que se passou então no espírito de Mariana? Não sei; mas no dia seguinte, depois do almoço quando eu me dispunha a ir vestir-me, Mariana veio encontrar-me no corredor que ia ter ao meu quarto, com o pretexto de entregar-me um maço de charutos que me caíra do bolso. O maço fora previamente tirado da caixa que eu tinha no quarto.

- Aqui tem, disse ela com voz trêmula.

- O que é? perguntei.

- Estes charutos... caíram do bolso de senhor moço.

- Ah!

Recebi o maço de charutos e guardei-o no bolso do casaco; mas, durante esse tempo, Mariana conservou-se diante de mim. Olhei para ela; tinha os olhos postos no chão.

- Então, que fazes tu? disse eu em tom de galhofa.

- Nada, respondeu ela levantando os olhos para mim. Estavam rasos de lágrimas.

Admirou-me essa manifestação inesperada da parte de uma rapariga que todos estavam acostumados a ver alegre e descuidosa da vida. Supus que houvesse cometido alguma falta e recorresse a mim para protege-la junto de minha mãe. Nesse caso a falta devia ser grande, porque minha mãe era a bondade em pessoa, e tudo perdoava às suas amadas crias.

- Que tens, Mariana? perguntei.

E, como ela não respondesse e continuasse a olhar para mim, chamei em voz alta por minha mãe. Mariana apressou-se a tapar-me a boca, e esquivando-se às minhas mãos fugiu pelo corredor fora.

Fiquei a olhar ainda alguns instantes para ela, sem compreender nem as lágrimas, nem o gesto, nem a fuga. O meu principal cuidado era outro; a lembrança do incidente passou depressa, fui vestir-me e sai.

Quando voltei à casa não vi Mariana, nem reparei na falta dela. Acontecia isso muitas vezes. Mas depois de jantar lembrou-me o incidente da véspera, e perguntei a Josefa o que haveria magoado a rapariga que tão romanescamente me falara no corredor.

- Não sei, disse Josefa, mas alguma coisa haverá porque Mariana anda triste desde anteontem. Que supões tu?

- Alguma coisa faria e tem medo da mamãe.

- Não, disse Josefa; pode ser antes algum namoro.

- Ah! tu pensas que?

- Pode ser.

- E quem será o namorado da senhora Mariana, perguntei rindo. O copeiro ou o cocheiro?

- Tanto não sei eu; mas seja quem for, será alguém que lhe inspirasse amor; é quanto basta para que se mereçam um ao outro.

- Filosofia de mulher, respondeu Josefa com um ar tão sério que me impôs silêncio.