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Quando a fugitiva recobrou a fala, depois das emoções diversas por que passara ... |
Quando a fugitiva recobrou a fala, depois das emoções diversas por que passara desde que me viu chegar, declarou positivamente que era sua intenção não sair dali. Insisti com ela dizendo-lhe que poderia ganhar tudo procedendo bem, ao passo que tudo perderia continuando naquela situação. - Pouco importa, disse ela; estou disposta a tudo. - A matar-te, talvez? perguntei eu. - Talvez, disse ela sorrindo melancolicamente; confesso-lhe até que a minha intenção era morrer na hora do seu casamento, a fim de que fôssemos ambos felizes, nhonhô casando-se, eu morrendo. - Mas desgraçada, tu não vês que... - Eu bem sei o que vejo, disse ela; descanse; era essa a minha intenção, mas pode ser que o não faça... Compreendi que era melhor levá-la pelos meios brandos; entrei a empregá-los, sem esquecer nunca a reserva que me impunha a minha posição. Mariana estava resolvida a não voltar. Depois de gastar cerca de uma hora, sem nada obter, declarei-lhe positivamente que ia recorrer aos meios violentos, e que já lhe não era possível resistir. Perguntou-me que meios eram; disse-lhe que eram os agentes policiais. - Bem vês, Mariana, acrescentei, sempre hás de ir para casa; é melhor que me não obrigues a um ato que me causaria alguma dor. - Sim? perguntou ela com ânsia; teria dor em levar-me assim para casa? - Alguma pena teria de certo, respondi; porque tu foste sempre boa rapariga; mas que farei eu se continuas a insistir em ficar aqui? Mariana encostou a cabeça à parede e começou a soluçar; procurei acalmá-la; foi impossível. Não havia remédio; era necessário empregar o meio heróico. Sai do corredor para chamar pelo criado que tinha descido logo depois que a porta se abriu. Quando voltei ao quarto, Mariana acabava de fazer um movimento suspeito. Parecia-me que guardava alguma coisa no bolso. Seria alguma arma? - Que escondeste ai? perguntei eu. - Nada, disse ela. - Mariana, tu tens alguma idéia terrível no espírito... Isso é alguma arma... - Não, respondeu ela. Chegou o criado e o dono da casa. Expus-lhes em voz baixa o que queria; o criado saiu, o dono da casa ficou. - Eu suspeito que ela tem alguma arma no bolso para matar-se; cumpre arrancar-lha. Dizendo isto ao dono da casa, aproximei-me de Mariana. - Dá-me o que tens aí. Ela contraiu um pouco o rosto. Depois, metendo a mão no bolso, entregou-me o objeto que lá havia guardado. Era um vidro vazio. - Que é isto, Mariana? perguntei eu, assustado. - Nada, disse ela; eu queria matar-me depois de amanhã. Nhonhô apressou a minha morte; nada mais. - Mariana! exclamei eu aterrado. - Oh! continuou ela com voz fraca; não lhe quero mal por isso. Nhonhô não tem culpa - a culpa é da natureza. Só o que eu lhe peço é que não me tenha raiva, e que se lembre algumas vezes de mim... Mariana caiu sobre a cama. Pouco depois entrava o inspetor. Chamou-se à pressa um médico; mas era tarde. O veneno era violento; Mariana morreu às 8 horas da noite. Sofri muito com este acontecimento; mas alcancei que minha mãe perdoasse à infeliz, confessando-lhe a causa da morte dela. Amélia nada soube, mas nem por isso deixou o fato de influir em seu espírito. O interesse com que eu procurei a rapariga, e a dor que a sua morte me causou, transtornaram a tal ponto os sentimentos da minha noiva, que ela rompeu o casamento dizendo ao pai que havia mudado de resolução. Tal foi, meus amigos, este incidente da minha vida. Creio que posso dizer ainda hoje que de todas as mulheres de quem tenho sido amado, nenhuma me amou mais do que aquela. Sem alimentar-se de nenhuma esperança, entregou-se alegremente ao fogo do martírio; amor obscuro, silencioso, desesperado, inspirando o riso ou a indignação, mas, no fundo, amor imenso e profundo, sincero e inalterável". Coutinho concluiu assim a sua narração, que foi ouvida com tristeza por todos nós. Mas daí a pouco saíamos pela rua do Ouvidor fora, examinando os pés das damas que desciam dos carros, e fazendo a esse respeito mil reflexões mais ou menos engraçadas e oportunas. Duas horas de conversa tinha-nos restituído a mocidade. |
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