Machado de Assis OS ÓCULOS DE PEDRO ANTÃO



Três causas diversas podem aconselhar o uso dos óculos. A primeira de todas é a debilidade do órgão visual, causa legítima, menos comum do que parece e mais vulgar do que devia ser. Vê-se hoje um rapaz entrado na puberdade e já adornado com um par de óculos, não por gosto, senão por necessidade. A natureza conspira para estabelecer o reinado dos míopes.

Outra causa do uso destes auxílios da vista é a moda, o capricho, ou, como diz Rodrigues Lobo, a galantaria. O ameno escritor exprime-se deste modo:

"Assim é que até óculos, que se inventaram para remediar defeitos da natureza, vi eu já trazer a alguns por galantaria". Efetivamente quem quiser passar por verdadeiro homem do tom deve trazer, não direi óculos fixos que é só próprio de sábios e estadistas, mas estas famosas lunetas-pênsis, que são úteis, cômodas e graciosas, dão bom aspecto, fascinam as mulheres, servem para os casos difíceis e duram muito.

Da terceira causa quem nos dá notícia é nem mais nem menos o gravíssimo Montesquieu. Diz ele: "Os óculos fazem ver demonstrativamente que o homem que os traz é consumado nas ciências, por modo que um nariz ornado com eles deve ser tido, sem contestação por nariz de sábio". Conclui-se disto que a natureza é uma causa secundária dos estragos da vista e que o desejo de parecer ou de brilhar produz o maior número dos casos em que é necessário a arte do Reis.