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VII Quando entrou a semana seguinte, já na véspera ... |
VII Quando entrou a semana seguinte, já na véspera do dia em que Oliveira se dispunha a sair e visitar o comendador, recebeu uma carta de Magalhães. Leu-a com pasmo: "Meu querido amigo, dizia Magalhães; desde ontem tenho a cabeça fora de mim. Aconteceu-me a maior desgraça que podia cair sobre nós. Com mágoa e vergonha to anuncio, meu prezadíssimo amigo, a quem tanto devo. "Prepara o teu coração para receber o golpe que já me feriu, e por muito que ele te faça sofrer, não sofrerás mais do que eu já sofri..." Saltaram duas lágrimas dos olhos de Oliveira. Adivinhava mais ou menos o que seria. Cobrou forças e continuou a leitura: "Descobri, meu querido amigo, que Cecília (como direi?), que Cecília me ama! Não imaginas como me fulminou esta notícia. Que ela não te amasse, como ambos desejávamos, era já doloroso; mas que se lembrasse de consagrar os seus afetos ao último homem que ousaria opor-se ao seu coração, é uma ironia da fatalidade. Não te contarei meu procedimento;. facilmente o adivinharás. Prometi não voltar lá mais. "Queria ir eu mesmo comunicar-te isto; mas não ouso contemplar a tua dor, nem te quero dar o espetáculo da minha. "Adeus, Oliveira. Se a fatalidade ainda consentir que nos vejamos (impossível!), até um dia; se não... Adeus!" Adivinha o leitor o golpe que esta carta descarregou no coração de Oliveira. Mas é nas grandes crises que o espírito do homem se mostra grande. A dor do apaixonado superada pela dor do amigo. O final da carta de Magalhães aludia vagamente a um suicídio; Oliveira deu-se pressa em ir impedir esse ato de nobre abnegação. Demais, que coração tinha ele, a quem confiasse todos os seus desesperos? Vestiu-se apressadamente e correu à casa de Magalhães. Disseram-lhe que não estava em casa. Oliveira ia subindo: - Perdão, disse o criado; eu tenho ordem de não deixar subir ninguém. - Razão demais para eu subir, respondeu Oliveira, afastando o criado. - Mas... - Trata-se de uma grande desgraça! E subiu apressadamente a escada. Na sala, não havia ninguém. Oliveira entrou afoitamente no gabinete. Achou Magalhães sentado à secretária inutilizando alguns papéis. Perto dele, havia um copo com um liquido vermelho. - Oliveira! exclamou ele, quando o viu entrar. - Sim, Oliveira, que vem salvar a tua vida, e dizer-te quanto és grande! - Salvar-me a vida? murmurou Magalhães; quem te disse que eu?... - Tu, na tua carta, respondeu Oliveira. Veneno! continuou ele, vendo o copo. Oh! nunca! E despejou o copo na escarradeira. Magalhães parecia atônito. - Eia! disse Oliveira; dá cá um abraço! Este amor infeliz foi ainda um lance de felicidade, porque conheci bem que coração de ouro é esse que te bate no peito. Magalhães estava de pé; caíram nos braços um do outro. O abraço comoveu Oliveira, que só então deu largas à sua dor. O amigo consolou-o como pôde. - Bem, disse Oliveira, tu que foste causa indireta da minha desgraça, deves ser agora o remédio que me há de curar. Sê eternamente meu amigo. Magalhães suspirou. - Eternamente! disse ele. - Sim. - Minha vida é curta, Oliveira; eu devo morrer; se não for hoje, sê-lo-á amanhã. - Mas isso é uma loucura. - Não é: eu não te disse tudo na carta. Falei-te do amor que Cecília me tem; não te falei do amor que lhe tenho eu, amor que me nasceu sem eu pensar. Brinquei com fogo; queimei-me. Oliveira curvou a cabeça. Houve um longo silêncio entre os dois amigos. Ao cabo de um longo quarto de hora, Oliveira ergueu os olhos vermelhos de lágrimas e disse a Magalhães, estendendo-lhe a mão: - Sê feliz, que o mereces; não tens culpa disto. Procedeste honradamente; compreendo que era difícil estar ao pé dela sem sentir o fogo da paixão. Casa com Cecília, pois que se amam, e fica certo de que serei sempre o mesmo amigo. - Oh! tu és imenso! Magalhães não ajuntou nenhum substantivo a este adjetivo. Não nos é dado perscrutar o seu pensamento interior. Caíram os dois amigos nos, braços um do outro com grandes exclamações e protestos. Uma hora depois de ali haver entrado, saía Oliveira triste mas consolado. - Perdi um amor, dizia ele consigo, mas ganhei um verdadeiro amigo, que já o era antes. Magalhães veio logo atrás dele. - Oliveira, disse ele, passaremos o dia juntos; receio que faças alguma loucura. - Não! o que me ampara nesta queda és tu. - Não importa; passaremos o dia juntos. Assim aconteceu. Neste dia, não foi Magalhães à casa do comendador. No dia seguinte, apenas lá apareceu, disse-lhe Cecília: - Estou zangada contigo; por que não vieste ontem? - Tive de sair da cidade em serviço público e por lá fiquei a noite. - Como passaste? - Bem. Seis semanas depois uniam eles os seus destinos. Oliveira não compareceu à festa com grande admiração de Vasconcelos e de D. Mariana, que não compreendiam essa indiferença da parte de um amigo. Nunca houve a menor sombra de dúvida entre Magalhães e Oliveira. Foram amigos até à morte, posto que Oliveira não freqüentasse a casa de Magalhães. |
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