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- O terraço era admirável. A casa toda parecia mesmo ali pousada
à beira dos horizontes sem fim como para admirá-los, e a luz dos
pavimentos térreos, a iluminação dos salões de cima contrastava
violenta com o macio esmaecer da tarde. Estávamos no Sman-Club,
estávamos ambos no terraço do Smart-Club, esse maravilhoso
terraço de vila do Estoril, dominando um lindo sítio da praia do
Russel - as avenidas largas, o mar, a linha ardente do cais e o céu
que tinha luminosidades polidas de faiança persa. Eram sete horas.
Com o ardente verão ninguém tinha vontade de jantar. Tomava-se um
aperitivo qualquer, embebendo os olhos na beleza confusa das cores do
ocaso e no banho viride de todo aquele verde em redor. As salas lá em
cima estavam vazias; a grande mesa de bacará, onde algumas pequenas e
alguns pequenos derretiam notas do banco - a descansar. O soalho
envernizado brilhava. Os divãs modorravam em fila encostados às
paredes - os divãs que nesses clubes não têm muito trabalho. Os
criados, vindos todos de Buenos Aires e de S. Paulo, criados
italianos, marca registrada como a melhor em Londres, no Cairo, em
New York, empertigavam-se. E a viração era tão macia, um
cheiro de salsugem polvilhava a atmosfera tão levemente, que a vontade
era de ficar ali muito tempo, sem fazer nada. Mas a noite já
estendia o seu negro brocado picado de estrelas e no plein-air do
terraço começavam a chegar os smart-diners. Que curioso aspecto!
Havia franceses condecorados, de gestos vulgares, ingleses de smoking
e parasita à lapela, americanos de casaca e também de brim branco com
sapatos de jogar o foot-ball e o lawn-tennis, os elegantes cariocas
com risos artificiais, risos postiços, gestos a contragosto do
corpo, todos bonecos vítimas da diversão chantecler, os noceurs
habituais, e os michés ricos ou jogadores, cuja primeira refeição
deve ser o jantar, e que apareciam de olheiras, a voz pastosa,
pensando no bac chemin de fer; no 9 de cara e nos pedidos do último
béguin. O prédio, mais uma "vila' da bacia do Mediterråneo,
ardia na noite serena, parecia a miragem dos astros do alto; as
toalhas brancas, os cristais, os baldes de cristofle tinham reflexos.
Por sobre as mesas corria como uma faråndola fantasista de pequenas
velas com capuchons coloridos, e vinha de cima uma valsa långuida,
uma dessas valsas de lento inebriar, que adejam vôos de mariposas e
têm fermatas que parecem espasmos. No meio daquela roda de homens,
que se cumprimentavam rápidos, dizendo apenas as últimas sílabas das
palavras: - B'jour; Plo... deus! goo, iam chegando as
cocottes, as modernas Aspásias da insignificåncia. Algumas vinham
a arrastar vestidos de cinco mil francos; outras tinham atitudes
simplistas dos primitivos italianos. Havia na sombra do terraço, um
desfilar de figuras que lembravam Rossetti e Helleu, Mirande e
Hermann-Paul, Capielo e Sem, Julião e também Abel Faivre,
porque havia cocottes gordas, muito gordas e pintadas, ajaezadas de
jóias, suando e praguejando. Falavam todas as línguas estrangeiras
- o espanhol, o francês, o italiano, até o alemão com o
predomínio do parigot, do argot, da langue verte. Só se falava
mesmo calão de boulevard. Fora, à entrada, paravam as lanternas
carbunculantes dos autos, havia fonfons roucos, arrancos bruscos de
máquinas H.P 6o. Aquele ambiente de internacionalismo à
parisiense cheio do rumor de risos, de gluglus de garrafas, de
piadas, era uma excitação para a gente chique. O barão André de
Belfort, elegantíssimo na sua casaca impecável, convidara-me para
um jantar a dois em que se conversasse de arte antiga - porque ele
tinha estudos pessoais sobre a noção da linha na Grécia de
Péricles. Evidentemente, antes de terminar o jantar teríamos a
mesa guarnecida por alguma daquelas figurinhas escapas de Tanagra ou
qualquer dos gordos monstros circulantes...
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