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Recuei. Ali, naquele velho carro, rodando à beira das igrejas,
uma Gorgona de vicio abria a fauce tragando as flores da ralé, gente
que lhe servia de pasto a troco de dinheiro; naquele carro silencioso
estorcia-se uma nevrose desesperada; naquela berlinda,
misteriosamente, a fúria de um súcubo, a ånsia de uma diabólica
fundia nos braços um bando de homens com o desespero sensual
despedaçador! Oh! o vicio que se não vê! Essa criatura, essa
criatura! E, há três anos, todas as quintas-feiras santas,
acompanho a berlinda procurando vê-la, procurando encarar o polvo de
luxúria, que lá dentro distende os tentáculos. Quem será? Uma
senhora de sociedade? Uma perdida? Sei lá! Uma louca, uma
desvairada, uma desgraçada, de que ninguém sabe o nome, de que
ninguém talvez possa reconhecer o semblante, na rua, quando
passa...
- Delicioso caso! fez o efebo literato erguendo o corpo airoso, que
recordava os pajens dos Valois. Honório pôs-se de pé. Todos
nós fizemos o mesmo em silêncio. A história impressionara, e
principalmente a ele, ao Honório, ao próprio narrador. Talvez
quisesse ainda rever a berlinda. O fato é que chegou à porta,
consultou o relógio, e ia despedir-se, quando de súbito esticou a
mão exangue, onde a opala lembrava o perturbado brilho de sua alma.
- Olhem, lá está ela, lá está... Era fatal... Ninguém
sabe o que encerra. É o segredo das vitimas. Não. É o segredo
dela apenas... Espera decerto alguém. Estão vendo? Naquele
pedaço de sombra, junto à igreja... Ao lado há um beco. A
vítima sairá do beco... Espantoso. Já ouvi dizer que é uma
mulher com bexigas, outrora bela. Um dos convidados conseguiu,
disse-me, ver-lhe a cara através do véu. Conta que é queimada.
Mas não. Outros asseguram que tem pústulas. É a lenda. A
opinião geral é mesmo a de ser uma formosa senhora de alta posição.
Não! não é nada disso. É apenas o horrível vício que se não
vê, a luxúria exasperada...
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