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Mas as tolices, os gritos de paixão, que são sempre ridículos... |
Ergueu-se. Houve um deslocamento de perfumes. A meus pés o cesto abria a fauce abarrotada; diante das minhas mãos a secretária escancarava-se. Hesitei, olhei-a, não resisti. Ah! o estranho capitulo de psicologia, a descraziante página de análise! Daquela papelada subia como uma fúria de paixão, de doença, de loucura. Havia mais de quinhentas cartas, havia mais de mil postais e nesses quadriláteros de papel ardia um arco-íris passional desde a chama roxa da melancolia à chama rosa do amor precoce. A primeira carta que abri tinha ao canto um passarinho voando, e começava assim: "D. Irene, queira desculpar, ao receber esta maltraçadas linhas que lhe envio do Internato. Tenho quinze anos e vi-a ontem. Como é bonita!" - Conheceu? - Nunca o vi. Pobre pequeno! Do seu primeiro amor não guardará ao menos más recordações. - Cá tenho outro: "Senhora. As horas fogem e a esperança fica. Quem a chamou de feia e a senhora não sabe quem é." - Quantos nestas condições! Vá vendo... Eu ia com efeito vendo. Peguei de outro: "Adeus, flor da minha vida! E que nas outras cidades deixe os mesmos corações despedaçados.- Maníaco." - Este confessa-se maluco! - O que não fazem os outros... Mas as tolices, os gritos de paixão, que são sempre ridículos, não acabavam mais. Eu lia versos, lia pensamentos patetas, via toda a palpitação ingênua do coração dos homens; ameaças de suicídio, ofertas de dinheiro, descrições de vida futura, pedidos de uma humildade de rafeiro, agonias com erros de português, máximas idiotas e generosas: "A amizade da mulher tem um encanto mais suave do que a do homem: é ativa, vigilante, terna e durável", graças nevrálgicas de palhaço amoroso. Deus! O amor, que dolorosa moléstia... eu não sei por que um nervosismo incompreensível fazia-me trêmulos os dedos, eu procurava com ânsia, humilhado, espezinhado, como se fosse responsável por todas as sandices do meu fraco sexo. |
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