João do Rio
DUAS CRIATURAS




O grande hall do hotel estava repleto. Pelas janelas semicerradas, na suave ondulação das cortinas brancas, entrava um vago perfume de violeta e de rosa. Lá fora, entre os tufos de verdura do jardim e o céu muito azul, devia esplender a pálida luz de um sol de inverno. As mesas, todas ocupadas e cintilantes de cristais, prolongavam-se até o fundo numa orquestração de tons brancos, que iam do branco de prata ao branco gris nos lugares mais em sombra.

Os criados passavam apressados, erguendo numa azáfama os pratos de metal. Ao alto, os ventiladores faziam um rumor de colmeias. Senhoras e cavalheiros, perfeitamente felizes, as senhoras quase todas com largos "boas" de plumas brancas, chalravam e sorriam. Estávamos bem na bizarra sociedade de entalhe que é o escol dos hotéis. Alta, longa, comprida, com uma cintura de esmaltes translúcidos e o ar empoado de uma íntima do general Lafayette, a escritora americana, cuja admiração por Gonçalves Dias chegara a fazê-la estudar o Brasil, mastigava gravemente. Logo ao lado, um grupo de engenheiros, também americanos, bebia, com gargalhadas brutais e decerto inconvenientes, champagne Munn. Mais adiante a encantadora viúva do milionário Guedes, com o seu perfil de Luigni, de que tanto mal se dizia, sorria num vago sonho para a senhora Alda, a formosa divorciada do dia; Alda Paes anteontem, Alda Pereira hoje, como há cinco anos, antes de casar... De vez em quando parava à porta um novo hóspede, hesitava, percorria com o olhar a extensa fila de mesas onde o debinage se acalorava. A um canto, Mlles. Péres, filhas de um rico argentino, Yatch-recordeman nas horas vagas e vendedor de gado nas outras, perlavam risadinhas de flirt, para o solitário e divino Alberto Guerra, seguro dos seus biceps, dos seus brilhantes e quiçá dos seus versos.