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O programa do partido de Melaço era não fazer cousa alguma e o do contrário tinha o mesmo ideal... |
Em geral, os inspetores por eles mesmos resolviam o caso; davam paternos conselhos suasórios e a lei sagrava o que já havia sido abençoado pelas prateadas folhas das imbaúbas, nos capoeirões cerrados. Não quis, porém, o delegado deixar que os seus subordinados liquidassem aquele caso. A paciente era filha do Sambabaia, chefe político do partido do Senador Melaço; e o agente era eleitor do partido contrário a Melaço. O programa do partido de Melaço era não fazer cousa alguma e o do contrário tinha o mesmo ideal; ambos, porém, se diziam adversários de morte e essa oposição, refletindo-se no caso, embaraçada sobremodo o subdelegado. Interrogado, confessara-se o agente pronto a reparar o mal; e, desde há muito, a paciente dera a tal respeito a sua indispensável opinião. A autoridade, entretanto, hesitava, por causa da incompatibilidade política do casal. As audiências se sucediam e aquela era já a quarta. Estavam os soldados atônitos com tanta demora, provinda de não saber bem o delegado se, unindo mais uma vez o par, não iria o caso desgostar Melaço e mesmo o seu adversário Jati - ambos senadores poderosos, aquele do governo e este da oposição; e, desgostar qualquer dele punha em perigo o seu emprego porque, quase sempre entre nós, a oposição passa a ser governo e o governo oposição instantaneamente. O consentimento dos rapazes não bastava ao caso; era preciso, além, uma reconciliação ou uma simples adesão política. Naquela manhã, o delegado tomava mais uma vez o depoimento do agente, inquirindo-o desta forma: —Já se resolveu? — Pois não, doutor. Estou inteiramente a seu dispor... — Não é bem ao meu. Quero saber se o senhor tem tenção? — De que, doutor? De casar? Pois não, doutor. — Não é de casar... Isto já sei... E... — Mas de que deve ser então, doutor? — De entrar para o partido do doutor Melaço. — Eu sempre, doutor, fui pelo doutor Jati. Não posso... — Que tem uma cousa com a outra? O senhor divide o seu voto: a metade dá para um e a outra metade para outro. Está aí! — Mas como? — Ora! O senhor saberá arranjar as cousas da melhor forma; e, se o fizer com habilidade, ficarei contente e o senhor será feliz, porquanto pode arranjar tanto com um como com outro, conforme andar a política no próximo quatriênio, um lugar de guarda dos mangues. — Não há vaga, doutor. — Qual! Há sempre vaga, meu caro. O Felizardo não se tem querido alistar, não nasceu aqui, é de fora, é "estrangeiro"; e, dessa maneira, não pode continuar a fiscalizar os mangues. E vaga certa. O senhor adere ou antes: divide a votação? —Divido então... Por aí, um dos inspetores veio avisar de que o guarda civil de nome Hane lhe queria falar. O doutor Cunsono estremeceu. Era cousa do chefe, do geral lá de baixo; e, de relance, viu o seu hábil trabalho de harmonizar Jati e Melaço perdido inteiramente, talvez por causa de não ter, naquele ano, efetuado sequer uma prisão. Estava na rua, suspendeu o interrogatório e veio receber o visitador com muita angústia no coração. Que seria? — Doutor, foi logo dizendo o guarda, temos um louco. Diante daquele caso novo, o delegado quis refletir, mas logo o guarda emendou: — O doutor Sili... Era assim o nome do ajudante do geral inacessível; e dele, os delegados têm mais medo do que do chefe supremo todo-poderoso. Hane continuou: — O doutor Sili mandou dizer que o senhor o prendesse e o enviasse à Central. Cunsono pensou bem que esse negócio de reclusão de loucos é por demais grave e delicado e não era propriamente da sua competência fazê-lo, a menos que fossem sem eira nem beira ou ameaçassem a segurança pública. Pediu a Hane que o esperasse e foi consultar o escrivão. Este serventuário vivia ali de mau humor. O sossego da delegacia o aborrecia, não porque gostasse da agitação pela agitação, mas pelo simples fato de não perceber emolumentos ou quer que seja, tendo que viver de seus vencimentos. Aconselhou-se com ele o delegado e ficou perfeitamente informado do que dispunham a lei e a praxe. Mas Sili... Voltando à sala, o guarda reiterou as ordens do auxiliar, contando também que o louco estava em Manaus. Se o próprio Sili não o mandava buscar, elucidou o guarda, era porque competia a Cunsono deter o "homem", porquanto a sua delegacia tinha costas do oceano e de Manaus se vinha por mar. — É muito longe, objetou o delegado. O guarda teve o cuidado de explicar que Sili já vira a distancia no mapa e era bem reduzida: obra de palmo e meio. Cunsono perguntou ainda: — Qual a profissão do "homem"? — E empregado da delegacia fiscal. — Tem pai? — Tem. Pensou o delegado que competia ao pai o pedido de internação, mas o guarda adivinhou-lhe o pensamento e afirmou: — Eu conheço muito e meu primo é cunhado dele. Estava já Cunsono irritado com as objeções do escrivão e desejava servir a Sili, tanto mais que o caso desafiava a sua competência policial. A lei era ele; e mandou fazer o expediente. Após o que, tratou Cunsono de ultimar o enlace de Melaço e Jati, por intermédio do casamento da filha do Sambabaia. Tudo ficou assentado da melhor forma; e, em pequena hora, voltava o delegado para as ruas onde não policiava, satisfeito consigo mesmo e com a sua tríplice obra, pois não convém esquecer a sua caridosa intervenção no caso do louco de Manaus. |
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