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Machado de Assis MARIANA |
Voltei de Europa depois de uma ausência de quinze anos. Era quanto bastava para vir achar muita coisa mudada. Alguns amigos tinham morrido, outros estavam casados, outros viúvos. Quatro ou cinco tinham-se feito homens públicos, e um deles acabava de ser ministro de Estado. Sobre todos eles pesavam quinze anos de desilusões e cansaço. Eu, entretanto, vinha tão moço como fora, não no rosto e nos cabelos, que começavam a embranquecer, mas na alma e no coração que estavam em flor. Foi essa a vantagem que tirei das minhas constantes viagens. Não há decepções possíveis para um viajante, que apenas vê de passagem o lado belo da natureza humana e não ganha tempo de conhecer-lhe o lado feio. Mas deixemos estas filosofias inúteis. Também achei mudado o nosso Rio de Janeiro, e mudado para melhor. O jardim do Rócio, o bulevar Carceller, cinco ou seis hotéis novos, novos prédios, grande movimento comercial e popular, tudo isso fez em meu espírito uma agradável impressão. Fui hospedar-me no hotel Damiani. Chamo-lhe assim para conservar um nome que tem para mim recordações saudosas. Agora o hotel chama-se Ravot. Tem defronte uma grande casa de modas e um escritório de jornal político. Dizem-me que a casa de modas faz mais negócio que o jornal. Não admira; poucos lêem, mas todos se vestem. Estava eu justamente a contemplar o espetáculo novo que a rua me oferecia quando vi passar um indivíduo cuja fisionomia me não era estranha. Desci logo à rua e cheguei à porta quando ele passava defronte. - Coutinho! exclamei. - Macedo! disse o interpelado correndo a mim. Entramos no corredor e aí demos aberta às nossas primeiras expansões. - Que milagre é este? por que estás aqui? quando chegaste? Estas e outras perguntas fazia-me o meu amigo entre repetidos abraços. Convidei-o a subir e a almoçar comigo, o que aceitou, com a condição, porém, de que iria buscar mais dois amigos nossos, que eu estimaria ver. Eram efetivamente dois excelentes companheiros de outro tempo. Um deles estava à frente de uma grande casa comercial; o outro, depois de algumas vicissitudes, fizera-se escrivão de uma vara cível. Reunidos os quatro na minha sala do hotel, foi servido um suculento almoço, em que, aliás, eu e o Coutinho tomamos parte. Os outros limitavam-se a fazer a razão de alguns brindes e a propor outros. Quiseram que eu lhes contasse as minhas viagens; cedi francamente a este desejo natural. Não lhes ocultei nada. Contei-lhes o que havia visto desde o Tejo até o Danúbio, desde Paris até Jerusalém. Fi-los assistir na imaginação às corridas de Chantillv e às jornadas das caravanas no deserto; falei do céu nevoento de Londres e do céu azul da Itália. Nada me escapou; tudo lhes referi. Cada qual fez as suas confissões. O negociante não hesitou em dizer tudo quanto sofrera antes de alcançar a posição atual. Deu-me notícia de que estava casado, e tinha uma filha de dez anos no colégio. O escrivão achou-se um tanto envergonhado quando lhe tocou a vez de dizer a sua vida; todos nós tivemos a delicadeza de não insistir nesse ponto. Coutinho não hesitou em dizer que era mais ou menos o que era outrora a respeito da ociosidade; sentia-se, entretanto, mudado e entrevia ao longe idéias de casamento. - Não te casaste? perguntei eu. - Com a prima Amélia? disse ele; não. - Por que? - Porque não foi possível. - Mas continuaste a vida solta que levavas? - Que pergunta! exclamou o negociante. É a mesma coisa que era há quinze anos. Não mudou nada. - Não digas isso; mudei. - Para pior? perguntei eu rindo. - Não, disse Coutinho, não sou pior do que era; mudei nos sentimentos; acho que hoje não me vale a pena cuidar de ser mais feliz do que sou. - E podias sê-lo, se te houvesses casado com tua prima. Amava-te muito aquela moça, ainda me lembro das lágrimas que lhe vi derramar em um dia de entrudo. Lembras-te? - Não me lembra, disse Coutinho ficando mais sério do que estava; mas creio que deve ter sido isso. - E o que é feito dela? - Casou. - Ah! - É hoje fazendeira; e dá-se perfeitamente com o marido. Mas não falemos nisto, acrescentou Coutinho, enchendo um cálice de conhaque; o que lá vai, lá vai! |
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