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Ela cuidava extremamente de pôr em relevo a sua beleza ... |
Ela cuidava extremamente de pôr em relevo a sua beleza mediante os inventos da arte. Era assinante dos melhores jornais de modas e freguesa das melhores casas de novidades elegantes. Distinga-se porém: a minha heroína era casquilha para ser namoradeira, o que é alguma coisa diferente da casquilha por casquilhice. Se me é lícito aplicar uma fórmula séria, direi que há entre as duas espécies a diferença que vai do princípio de arte pela arte ao principio de arte pela moral. Onda sabia que o espírito do homem deixa-se prender facilmente pelos atrativos artificiais juntos aos atrativos naturais, e não deixava de aumentar pela cifra da elegância a unidade da beleza com que a natureza a dotara. Acrescente-se a isto, que Onda possuía um gosto apuradíssimo. Mesmo na escolha dos mais simples trajares revelava-se nela a discrição, o acerto, a boa mão, para usar de uma expressão popular. Ora, não se resiste facilmente a quem reúne tantos predicados; e se a simples presença bastava para prender, o que não era quando aquela boca se abria, como uma taça de mel do Himeto, e destilava, não digo palavras, gotas de pura ambrosia do céu? Assim que, naquelas guerras de amor, a presença era o primeiro ataque, a palavra a batalha campal. Ninguém saía delas são e salvo; saía-se ferido, e, o que é mais, sem esperanças de chegar a coronel. O tempo dava alguma confiança aos que se enamoravam dela em virtude de uma reflexão que lhes parecia justa; e era que nem toda a vida Onda faria de sua beleza uma simples rede para passatempo. Esta esperança fortificava as coragens e inspirava as constâncias. O próprio tempo os ia desenganando até a hora em que se deu o episódio que vou narrar em poucas palavras. No momento em que Onda, completando vinte e cinco anos, pareceu chegar à idade razoável de passar do capricho ao amor sério e digno, apareceu na intimidade da família desta misteriosa donzela um rapaz, que meses antes chegara de uma longa viagem à Europa à custa de um tio desembargador. Antes de pisar o reino da nova Diana já Ernesto (é o nome do herói) sabia com quem ia lidar. Meia dúzia de logrados tiveram cuidado de instruí-lo da alcunha e das qualidades da moça. Ernesto, depois de ouvir as narrações e as imprecações de todos, puxou uma fumaça, e brandindo um chicotinho de junco, olhou para os seis e disse-lhes: - Não quero argüi-los de fraqueza ou inépcia; mas façamos uma aposta: o que perdem se eu conseguir domar essa gentil pantera? - Ora! exclamaram em coro os seis ministros decaídos. - Isso não é responder. Um dos interlocutores respondeu: - Mas é impossível domá-la! disse um que era poeta. - Impossível? exclamou Ernesto. Meus amigos, se Penélope não tivesse pressentimento de que, mais tarde ou mais cedo, Ulisses lhe apareceria em casa, não fiaria tanto, e em vez de sustentar a tantos pretendentes, sustentaria apenas um, o que era mais acertado, no duplo ponto de vista da economia e do coração. Onda, como lhe chamam, espera sem dúvida o seu Ulisses, que sou eu, e os vai iludindo até que eu apareça para entrar na posse do direito que a natureza me conferiu. Esta é a verdade... Cada qual dos seis pretendentes desenganados tinham a consciência de ter feito os últimos esforços, consciência em que entrava um tanto de fatuidade; mas tinham isso, e foi por isso que, quando Ernesto acabou de falar, responderam todos com a mais estrondosa gargalhada. A fatuidade falara em primeiro lugar no espírito de Ernesto; a gargalhada ofendeu-lhe o amor-próprio; insistiu, já sério, ou antes com aquele riso especial que em nossa língua se exprime tão bem pelo riso amarelo; depois de dez minutos de renhida discussão, assentou-se que, no caso de vitória, Ernesto teria direito as seguintes prendas: Um jantar no hotel da Europa. Um cavalo. Um mês de verão em Petrópolis. Uma assinatura do teatro Lírico. Um milheiro de charutos de Havana. Saldar todos os credores. Um manuscrito de Voltaire. Esta última aposta era do poeta que se gabava de possuir muitos manuscritos de homens célebres, e que, declarando o que perderia, teve cuidado de fazer observar que perderia mais que todos. No caso em que Ernesto fosse derrotado pagaria aos outros, coletivamente, um lauto banquete. Nisto despediram-se. Ernesto estava compenetrado da situação. Perder era correr-se de vergonha, sobretudo depois do tom em que falara e da confiança que mostrava ter em si. Outras razões aduzia ainda: ganhar era, não só envergonhar a tantos, como ainda entrar de cabeça alta na posse de uma mulher formosa e de uma fortuna regular. |
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