O resto da noite passou-se do mesmo modo ...



O resto da noite passou-se do mesmo modo, repetindo-se as visitas e confirmando cada um no espírito do outro a opinião de que era néscio e importuno.

No fim do espetáculo foi Ernesto que teve a honra de acompanhar Onda ao carro. Ia de cabeça alta, lançando um olhar de desdém para todos, e dirigindo-se a Onda, que lhe respondia com suma graça e volubilidade.

Junto aos últimos degraus da escada da porta lateral que dá para a rua dos Ciganos estavam os seis amigos da aposta, risonhos e interrogativos.

Ernesto viu-os, cumprimentou-os levemente e dirigiu-se para a porta. Um dos outros competidores trazia a velha tia de Onda e apressou-se a descartar-se dela fazendo-a entrar na carruagem. Depois Ernesto conduziu a moça, fê-la entrar e ia dizer duas palavras de despedida quando sentiu que lhe ficara na mão o lenço de cambraia da formosa Onda.

Antes que o menor sinal de admiração a comprometesse, Onda estendeu a mão a Ernesto e disse-lhe com voz doce e insinuante:

- Até amanhã!

- Até amanhã!

A tia também repetiu, entre dois bocejos, as duas palavras:

- Até amanhã!

Mas Ernesto já ali não estava. Beijar o lenço, metê-lo na algibeira do paletó e correr para os amigos que o esperavam à porta do teatro, foi uma e a mesma coisa.

- Bravo! bravo! repetiram em coro os amigos.

Ernesto não sabia que dizer. Olhava para todos com um sorriso quase alvar, tal era o estado em que o deixara a inesperada ventura da dádiva do lenço.

- É minha! pensava ele.

- Então ganhaste a aposta? perguntaram os outros.

- Não sei: esperem. Quero declarar-lhes a vitória completa no dia em que puder apelar para o reconhecimento da igreja.

- Ah! ah! então casas-te?

- Por que não? Oh! meus amigos, mais tarde ou mais cedo hei de acabar por aí. Sinto em mim a bossa conjugal. Ninguém foge à sina. Ora, se há de ser com outra porque não há de ser com esta? Não lhes disse eu que era o Ulisses desta Penélope? Verão se acertei. O que é certo é que, como o pai de Telêmaco, tive meus naufrágios, e no fim de tantas atribulações aguardo a felicidade doméstica. Trato agora de frechar os pretendentes. Meus caros, a confiança e a coragem são tudo. Chénier tem razão:

..................Ami, reprends courage,

Toujours le ciel glacé ne souffle point l'orage.

Le ciel, d'un jour à l'autre, est humide ou serein.

Esta conversa já tinha lugar na rua. Uma parte da noite, em casa de um dos amigos, onde foram todos tomar chá, Ernesto continuou no mesmo falar de segurança, e nos outros, apesar da própria experiência, foi desaparecendo a dúvida para dar lugar a um convencimento que não era isento de despeito.

No dia seguinte Ernesto foi à casa de Onda e voltou de lá mais do que encantado. A noite é boa conselheira; antes de conciliar o sono, Ernesto refletira que a presença do lenço em sua mão poderia ser fortuita, e com este pensamento diminuíram-se-lhe umas boas braças do castelo que ele já construíra em seu espírito. Mas tão feliz era que se enganou na sua presunção. Quando, para sondar a verdade das coisas, disse a Onda que esta deixara cair por descuido o lenço, ela olhou-o fixamente e disse-lhe:

- Lenço é apartamento. Vamos experimentar se nos havemos de separar.

Era positivo.

Ernesto ficou fora de si.

Nessa noite chegando à casa resolveu escrever à moça mostrando-lhe o estado da sua alma.