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Ao fim de uma hora saíram de braço dado. O desconhecido disse chamar-se Viana ... |
Ao fim de uma hora saíram de braço dado. O desconhecido disse chamar-se Viana; João das Mercês deu também o seu nome. Saíram como dois amigos velhos. Passearam todo o tempo; Viana levou a benevolência ao ponto de o convidar a tomar um sorvete no Carceller. Perto da noite, disse Viana para João das Mercês. - Vou levá-lo até à sua casa. João das Mercês fez uma careta. - Isso agora há de ser mais difícil, disse ele depois de alguns instantes. - Por que? - Porque... - Seja franco. - Pois bem, meu caro, eu não tenho casa! - Não tem casa? João das Mercês contou fielmente ao amigo a sua posição. Viana ouviu a narração com visíveis sinais de simpatia. - Pois se isto o não incomoda nem ofende, ofereço-lhe por hoje um hospício. Amanhã já não será preciso porque receberá o dinheiro. - Aceito. Dirigiram-se para a rua da Misericórdia. Viana morava ali em um primeiro andar mobiliado com algum asseio. - A casa não está arranjada, disse ele, mas é porque eu mais me entendo com a desordem que com a ordem. - Está excelente, disse João das Mercês. Ah! meu caro senhor Viana, creio que sou agora verdadeiramente feliz. No dia em que me entra o dinheiro pela porta, entra-me um amigo pelo coração. Pela porta é metáfora, acrescentou ele rindo. Viana apertou-lhe a mão comovido. - Tive um amigo da sua idade; era a mesma alma franca e aberta aos sentimentos generosos; permita-me a ilusão de que o encontrei agora. - Espero que não seja ilusão, exclamou João das Mercês. Conversaram até alta noite. A uma hora João das Mercês disse que estava com sono. - Eu também, disse Viana. Vamos dormir. Tenho sempre esta outra cama pronta para o que der e vier. Olhe, gosto de acordar cedo. - Homem, nestas alturas não se me dera acordar mais tarde, respondeu João das Mercês que, como sabemos, adquirira de uma das suas amas o modo de dormir demais. - É que eu tenho de sair cedo, para levar um papel à estrada de ferro. Às nove horas estarei de volta. - A minha madrugada será às nove horas. - Veja já se perdeu o bilhete. - Nada, cá está no bolso do colete. Dormiram. No dia seguinte, seriam onze horas quando João das Mercês abriu os olhos. Viana ainda não tinha voltado. O rapaz costumava estar na cama acordado ainda um quarto de hora. Ao fim desse tempo levantou-se, lavou-se e vestiu-se. Não tendo relógio não sabia que horas eram. O sol estava encoberto. João das Mercês chegou à janela a ver se via o dono da casa. Não viu ninguém. Pouco depois deram os sinos meio-dia. - Meio-dia, disse ele. Onde estará este homem. Começou a sentir fome e a arrepelar-se com a demora, quando instintivamente levou a mão ao bolso do colete. Não achou o bilhete!. - Roubado! exclamou ele com desespero. Chegou à janela, gritou, acudiu gente à porta que o deram por maluco. Do segundo andar desceram algumas pessoas, e depois de ouvirem as queixas do mísero rapaz, foram chamar a autoridade. Quando o rapaz conseguiu achar-se na rua eram já duas horas. Seu primeiro pensamento foi ir à casa de loteria. Correu para lá. Ó desgraça! todos os quartos da sorte grande estavam pagos. Deu os sinais de Viana e eram os mesmos de um sujeito que lá fora cobrar um quarto. |
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