O Abreu, que dera antes como causa a presidência lá da província, declarou agora ao desembargador ...



O Abreu, que dera antes como causa a presidência lá da província, declarou agora ao desembargador que uma questão da guerra produzira o desacordo entre os ministros.

- Está certo disso? perguntou o desembargador.

- Certíssimo; soube-o hoje mesmo do cunhado do ministro da Guerra.

Nunca vi maior facilidade em mudar de opinião, nem maior descaro em colher as afirmações alheias. Interroguei depois o C... que me respondeu:

- Não te espantes; em tempo de crise é sempre bom mostrar que se anda bem informado.

Dos presentes eram quase todos oposicionistas, ou pelo menos faziam coro com o Abreu, que fazia diante do cadáver ministerial o papel de Brutus diante do cadáver de César. Alguns defendiam a vítima, mas como se defende uma vítima política, sem grande calor nem excessiva paixão.

Cada personagem novo trazia uma confirmação ao trato; já não era trato; evidentemente havia crise. Grupos de políticos e politicões estavam parados às portas das lojas, conversando animadamente. De quando em quando surgia ao longe um deputado. Era logo cercado e interrogado; e só se colhia a mesma coisa.

Vimos ao longe um homem de 35 anos, meão na altura, suíças, luneta pênsil, olhar profundo, acompanhando uma influência política.

- Graças a Deus! agora vamos ter notícias frescas, disse o C... Ali vem o Mendonça; há de saber alguma coisa.

A influência política não pôde passar de outro grupo; o Mendonça veio ao nosso.

- Venha cá; você que lambe os vidros por dentro há de saber o que há?

- O que há?

- Sim.

- Há crise.

- Bem; mas os homens saem ou ficam?

Mendonça sorriu, depois ficou sério, corrigiu o laço da gravata, e murmurou um: não sei; assaz parecido com um: sei demais.

Olhei atentamente para aquele homem que parecia estar senhor dos segredos do Estado, e admirei a discrição com que os ocultava de nós.

- Diga o que sabe, Sr. Mendonça, disse o desembargador.

- Eu já disse a V. Excia. o que há, interrompeu o Abreu; pelo menos tenho razão para afirmá-lo. Não sei o que sabe lá o Sr. Mendonça, mas creio que não estará comigo...

Mendonça fez um gesto de quem ia falar. Foi cercado por todos. Ninguém ouviu com mais atenção o oráculo de Delfos.

- Sabem que há crise; a causa é muito secundária, mas a situação não podia prolongar-se.

- Qual é a causa?

- A nomeação de um juiz de direito.

- Só!

- Só.

- Já sei o que é, disse Abreu sorrindo. Era negócio pendente há muitas semanas.

- Foi isso. Os homens lá foram ao paço.

- Será aceita a demissão? perguntei eu.

Mendonça abaixou a voz:

- Creio que é.

Depois apertou a mão ao desembargador ao C... e ao Abreu e retirou-se com a mesma satisfação de um homem que acaba de salvar o Estado.

- Pois, senhores, eu creio que esta versão é a verdadeira. O Mendonça anda informado.

Passa defronte um sujeito.

- Anda cá, Lima, gritou Abreu.

O Lima aproximou-se.

- Estás convidado para o ministério?

- Estou; você quer alguma pasta?

Não penses que este Lima era alguma coisa; o dito de Abreu era um gracejo que se renova em todas as crises.

A única preocupação do Lima eram umas senhoras que passavam. Ouvi dizer que eram as Valadares, - a família do indigitado presidente. Pararam à porta da loja, conversaram alguma coisa com o C... e o Lima, e seguiram viagem.

- São lindas estas moças, disse um dos circunstantes.

- Eu era capaz de as nomear para o ministério.

- Sendo eu presidente do conselho.

- Também eu.

- A mais gorda devia ser ministro da Marinha.

- Por que?

- Porque parece mesmo uma fragata.

Ligeiro sorriso acolheu este diálogo entre o desembargador e o Abreu. Viu-se ao longe um carro.

- Quem será? Algum ministro?

- Vejamos.

- Não; é a A...

- Como vai bonita!

- Pudera!

- Ela já tem carro?

- Há muito tempo.

- Olhem, ali vem o Mendonça.

- Vem com outro. Quem é?

- É um deputado.

Passaram os dois juntos de nós. O Mendonça não nos cumprimentou; ia conversando baixinho com o deputado.

Houve outra trégua na conversa política. E não te admires. Nada mais natural do que entremear aqui uma discussão sobre crise política com as sedas de uma dama do tom.

Finalmente surgiu de longe o já citado Ferreira.

- Que há? perguntamos quando ele chegou.

- Foi aceita a demissão.

- Quem é o chamado?

- Não se sabe.

- Por que?

- Dizem que os homens ficam com as pastas até segunda-feira.

Dizendo estas palavras, o Ferreira entrou, e foi sentar-se. Outros o imitaram; alguns se foram embora.

- Mas donde sabe isso? disse o desembargador.

- Soube na Câmara.

- Não me parece natural.

- Por que?

- Que força moral deve ter um ministério já demitido e ocupando as pastas?

- Realmente, a coisa é singular; mas eu ouvi ao primo do ministro da Fazenda.

Ferreira tinha a particularidade de andar informado pelos parentes dos ministros; pelo menos, assim o dizia.

- Quem será chamado?

- Naturalmente o N...

- Ou o P...

- Já hoje de manhã se dizia que era o K...