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Entrou o Mendonça; o caixeiro deu-lhe uma cadeira ... |
Entrou o Mendonça; o caixeiro deu-lhe uma cadeira, e ele sentou-se ao lado do Lima, que nesse momento descalçava as luvas, ao mesmo tempo que o desembargador oferecia rapé aos circunstantes. - Então, Sr. Mendonça, quem é o chamado? perguntou o desembargador. - O B... - Com certeza? - É o que se diz. - Eu ouvi que só na segunda-feira se organizará ministério novo. - Qual! insistiu Mendonça; afirmo-lhe que o B foi ao paço. - Viu-o? - Não; mas disseram-mo. - Pois acredite que até segunda-feira... A conversa ia-me interessando; eu já tinha esquecido o interesse que ligava à mudança dos ministros, para atender simplesmente ao que se passava diante de mim. Não imaginas o que é formar um ministério na rua antes que ele esteja formado no paço. Cada qual expôs a sua conjectura; vários nomes foram lembrados para o poder. Às vezes aparecia um nome contra o qual se apresentavam objeções; então replicava o autor da combinação: - Está enganado; pode o F... ficar com a pasta da Justiça, o M... com a da Guerra, K... Marinha, T.... Obras Públicas, V... Fazenda, X... Império, e C... Estrangeiros. - Não é possível; o V... é que deve ficar com a pasta de Estrangeiros. - Mas o V... não pode entrar nessa combinação. - Por que? - É inimigo do F... - Sim; mas a deputação da Bahia? Aqui coçava o outro a orelha. - A deputação da Bahia, respondia ele, pode ficar bem metendo o N... - O N... não aceita. - Por que? - Não quer ministério de transição. - Chama a isto ministério de transição? - Pois que é mais? Este diálogo em que todos tomavam parte, inclusive o C..., e que era repetido sempre que um dos circunstantes apresentava uma combinação nova, foi interrompido pela chegada de um deputado. Desta vez íamos ter notícias frescas. Efetivamente soubemos pelo deputado que o V... tinha sido chamado ao paço e estava organizando gabinete. - Que dizia eu? exclamou Ferreira. Nem era de ver outra coisa. A situação é do V....; o seu último discurso foi o que os franceses chamam discurso-ministro. Quem são os outros? - Por ora, disse o deputado, só há dois ministros na lista: o da Justiça e o do Império. - Quem são? - Não sei, respondeu o deputado. Não me foi difícil ver que o homem sabia, mas era obrigado a guardar segredo. Compreendi que aquele é que lambia os vidros por dentro, expressão muito usada em tempo de crise. Houve um pequeno silêncio. Conjecturei que cada qual estivesse a adivinhar quem seriam os nomeados; mas, se alguém os descobriu, não os nomeou. O Abreu dirigiu-se ao deputado. - V. Excia. acredita que o ministério fique organizado hoje? - Creio que sim; mas daí pode ser que não... - A situação não é boa, observou Ferreira. - Admira-me que V. Excia. não seja convidado... Estas palavras, naquela ocasião inconvenientes, foram pronunciadas pelo Lima, que trata a política, como trata as mulheres e os cavalos. Cada um de nós procurou disfarçar o efeito de semelhante tolice, mas o deputado respondeu direitamente à pergunta: - Pois não me admira nada isso; deixo o lugar aos incompetentes. Estou pronto a servir como soldado... Não passo disso. - Perdão, é muito digno! Entrou um homem esbaforido. Fiquei surpreso. Era um deputado. Olhou para todos, e dando com os olhos no colega, disse: - Podes dar-me uma palavra? - Que é? perguntou o deputado levantando-se. - Vem cá. Foram até a porta, depois despediram-se de nós e seguiram apressadamente para cima. - Estão ambos ministros, exclamou Ferreira. - Acredita? perguntei eu. - Sem dúvida. Mendonça foi da mesma opinião; e foi a primeira vez que o vi adotar uma opinião alheia. |
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