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Era no tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em
vez das máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas
dágua, os banhos, e várias graças que foram substituídas por
outras, não sei se melhores se piores.
Dois dias antes de chegar o entrudo já a família de D. Angélica
Sanches estava entregue aos profundos trabalhos de fabricar limões de
cheiro. Era de ver como as moças, as mucamas, os rapazes e os
moleques, sentados à volta de uma grande mesa compunham as laranjas e
limões que deviam no domingo próximo molhar o paciente transeunte ou
confiado amigo da casa.
D. Angélica tinha nessa época seus cinqüenta e nove anos.
Nascera mais ou menos no tempo da conjuração de Tiradentes. Criada
por um lavrador de Minas, D. Angélica adquiriu certos princípios
liberais, mas perdeu-os em 1808, quando veio ao Rio de Janeiro
e assistiu à entrada da corte real. Ainda que esta mudança nos
princípios políticos de D. Angélica foi resultado de uma paixão
por um arqueiro ou quer que seja da guarda real. D. Angélica
pertencia, fisicamente falando, a essa classe de mulheres, capazes de
matar um porco de uma cajadada. Além de possuir um par de espáduas
atléticas, tinha um gênio de arremeter contra qualquer obstáculo e
vencê-lo. Parece que o namorado desdenhava as mulheres alfenins, as
criaturas quebradiças e moles. Gostava de uma robustez que indicava
saúde e disposição para trabalhar. Angélica resumia tudo isso.
Amaram-se e no fim de algum tempo celebrou-se o casamento, com
aplauso de amigos e conhecidos. Pouco importa saber que fim levou o
Sr. Tomás Sanches no tempo em que se passam as cenas que vou
relatar. Basta saber que morreu quando de todo se lhe extinguiu a
vida, coisa que provavelmente não lhe aconteceu sem perder a saúde.
Demais, não é bom falar do finado Tomás Sanches ao pé de D.
Angélica; a pobre senhora ainda hoje o chora. Mas não lhe falem de
homem que mereça o respeito, o amor e a consideração, porque D.
Angélica cita logo um caso do marido, que entre parêntesis,
enriqueceu em pouco tempo.
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