Amanheceu o dia de domingo com um belíssimo sol ...



Amanheceu o dia de domingo com um belíssimo sol; era um verdadeiro dia de entrudo. Desde manhã puseram-se os tabuleiros em ordem para a batalha. Carlos e Benjamim preparavam as caldeiradas dágua e duas panelas que mandaram para a cocheira. Nessa ocasião houve uma pequena altercação entre os dois irmãos; Carlos acabou puxando as orelhas a Benjamim, o qual, por dizer alguma coisa, disse que lhe daria uma facada, o que lhe valeu outro puxão de orelhas do irmão.

Triste inspiração foi a de Batista que marcou esse dia para pedir a mão de D. Teresa. A moça entendia que se devia aproveitar um dia alegre para achar D. Angélica de bom humor, verdadeiro engano porque D. Angélica, conquanto não jogasse o entrudo, achava prazer em ver brincar as raparigas e não prestava grande atenção a outras coisas.

O dia começou bem; alguns sujeitos que passavam foram alvo de meia dúzia de limões de cheiro que os deixaram um tanto úmidos; e mais nada.

Jantou-se mais cedo.

Às três horas e meia estavam as moças vestidas e prontas à janela; a sala estava cheia de tabuleiros com limões de cheiro.

Os rapazes ausentaram-se.

Correu assim uma hora sem incidente notável. Constante fogo de água trazia a rua agitada. Os gamenhos, munidos de limões iam atirando às senhoras que estavam às janelas, e estas correspondiam ao ataque com um vigor nunca visto.

Havia em casa de D. Angélica cerca de 1.200 limões; imaginem se o combate podia fraquear.

Ao cabo duma hora de combate, desapareceu Lucinda pelo interior da casa. D. Maria e D. Angélica que estavam assentadas na sala conversavam sobre os sucessos da sua mocidade. De quando em quando algum limão ia bater numa e noutra, o que as fazia rir.

D. Maria quis ir ao interior da casa e saiu por alguns instantes. Daí a pouco voltou espavorida.

- Jesus! Acuda-me prima Angélica! Credo! Vingança!

Surpresa geral. As moças voltaram-se para dentro e os rapazes vendo aquela muralha de costas fizeram uma descarga em regra.

- Que é? perguntou D. Angélica espantada. Será o canhoto?

- Qual, canhoto! quero vingança! que desaforo!

- Mas que é?

D. Maria estava sufocada; sentou-se, bebeu um pouco dágua e falou:

- Ia eu agora lá dentro, quando encontrei na sala de jantar a um canto, adivinhem o que? Encontrei seu filho Benjamim quebrando limões no ombro de minha filha! Que desaforo! Fiquei sem saber de mim... Isto se atura, prima? Cão! Ter o atrevimento de... Prima, manda dar uma sova no seu pequeno...

Neste tempo já Lucinda tinha entrado na sala e ouviu a narração da mãe com um espanto tão fingido que parecia um diplomata.

- Estás ai!... exclamou D. Maria. Deixe estar que me pagarás lá em casa!

- Mas que é?...

D. Angélica mandou chamar Benjamim.

O rapaz que estava na cocheira, correu ao chamado da mãe.

- Que é isso, Benjamim? pois então tu tens o desaforo, o atrevimento de não respeitar tua tia nem a minha casa...

Benjamim ficou mais admirado que se visse a cascata de Paulo Afonso; olhou para todos que tinham os olhos nele e perguntou:

- Mas que é mamãe? eu não sei de que fala.

D. Angélica referiu a acusação que lhe fazia D. Maria; o rapaz negou alegando que não saíra debaixo e apelou para o testemunho de um moleque, o qual, como era o portador das cartas entre os dois namorados, não teve dúvida em dizer que o jovem Benjamim desde que descera para a cocheira, não saíra de lá ocupado como estava em seringar os homens que passavam.

D. Angélica voltou-se para a prima.

- Você enganou-se, prima.

- Mas se eu vi!...

Carlos tinha subido também, e, ou para salvar o irmão a quem não tinha raiva, ou para terminar um incidente que perturbaria a festa, confirmou o dito do moleque.

Mas D. Maria que tinha visto, insistia e punha em dúvida a asserção dos sobrinhos e do moleque.

- Foi engano! diziam uns.

- Titia estava preocupada e pareceu-lhe ver...

- Qual engano nem preocupação! Pois eu vi.

Entrara no meio desta bulha o jovem Batista, trajando casaca, luvas de pelica, e gravata branca. Veio de sege para chegar intacto, apesar de morar perto Ouviu a discussão, informou-se do que era e concluiu que devia ser engano de D. Maria. Esta insistiu na afirmativa.

- Dá-se muitas vezes, disse Batistinha sentenciosamente, que a nossa imaginação figura objetos reais quando eles são simplesmente hipotéticos... A história tem um exemplo: Brutus dizem que viu a sombra de César. Foi naturalmente a impressão imaginária que lhe produziu a espécie de presença real. O órgão visual tem fenômenos extravagantes; os recentes trabalhos da ciência...

As moças voltaram as costas e foram para a janela, exceto Teresa que ficou ouvindo o discurso do namorado. Os rapazes desceram à cocheira.