|
Batista continuou o discurso. Como tinha lido uns livros de ciência ... |
Batista continuou o discurso. Como tinha lido uns livros de ciência, explicou às senhoras qual a organização do nervo ótico, e como por acaso falasse em olhos bonitos, lembrou-se D. Angélica de contar uma anedota acerca dos olhos do finado Sanches em 1834. O incidente acabou assim, D. Maria convencida de que realmente fora imaginação sua. - Agora, se D. Angélica quiser dar-me a honra de uma palavra em particular, disse Batista, ficar-lhe-ei sumamente penhorado. - Agora reparo, disse D. Angélica. Que trajo para dia de entrudo! - Minha senhora, respondeu Batista, os grandes sentimentos não conhecem entrudo - Fala muito bem este moço, pensou D Maria. A dona da casa foi com Batista para o interior. - Minha senhora, disse Batista arrestando-se na sala diante de D. Angélica, muito há que eu nutro, dentro do meu coração, um destes sentimentos que, mal aplicados, podem produzir não só os infortúnios domésticos como até a ruína dos impérios, e, bem aplicados, são a verdadeira bem-aventurança deste mundo. O amor, minha senhora, é o que o bordão é para os cegos, o vento para os navegantes, a saúde para os enfermos, o espaço para os passarinhos... - Então, ama? - Loucamente. Seria um inferno este amor se não fosse retribuído. O que é um amor sem retribuição? É o abutre de Prometeu. Sou recompensado com igual amor ao meu: amor amore, diz a sentença latina. - Que deseja de mim? - A luz. A senhora tem a minha luz nas suas mãos; pode dar-ma se quiser. Amo sua filha D. Teresa, e desejo unir-me a ela pelos laços matrimoniais... D. Angélica tinha percebido algum namoro entre a filha e o Batista, mas não cuidou que estivessem tão próximos do casamento. O que sobretudo a fez pasmar foi a escolha do dia. A este respeito observou Batista que, vindo a palavra entrudo do latim entroito, que quer dizer entrada, estava ele de acordo com o dia desejando entrar na família. O trocadilho despertou as recordações conjugais da Sra. D. Angélica, que citou mais uma anedota do finado Tomás Sanches. - Quanto ao que me pede, concluiu ela, se Teresa quiser, não tenho razão que opor a uma união que desejo ver feliz e tranqüila. - A senhora chega ao sublime! disse Batista. Depois abrindo os braços: - Minha mãe! exclamou ele. D. Angélica abraçou-o cerimoniosamente, porque achava o rapaz romântico demais. - Quando poderei ter resposta definitiva? - Já, se quer; mas é melhor logo... Quando lhe... Neste momento ouviu-se um grande grito, depois outro e outro; depois um barulho infernal. D. Angélica correu à sala para saber o que era; Batista foi atrás dela. Na sala ninguém sabia a causa do barulho. O barulho vinha da cocheira. - Há de ser algum sujeito que os rapazes meteram no banho, disse D. Angélica trêmula. Ah! meu Deus! estes pequenos ainda me hão de dar algum desgosto grande! Quis descer; mas Batista a impediu alegando gravemente que uma senhora nunca deve descer. Os gritos continuaram ainda algum tempo. Depois cessaram; ouviu-se uma voz trêmula de frio lançar uma imprecação aos rapazes. - Ah! meu Deus! que rapazes! que desgostos! Subiu alguém a escada; daí a alguns segundos, entrava na sala o Sr. Tibúrcio, vestido de branco, mas todo molhado como se saísse do mar. Entrou respingando a sala toda. - Jesus! que é isso? - Ah! minha senhora, eis o estado em que me puseram os seus rapazes! Veja se isto não é um desaforo! Entrei com toda a confiança em sua casa, e os seus meninos, sem que eu lhes houvesse feito mal, agarram-me, metem-me dentro de uma gamela e despejam-me um barril de água por cima, ajudados por dois moleques! |
|
|
|
|