III
Um dia de manhã, leu Oliveira, ainda na cama ...




III
Um dia de manhã, leu Oliveira, ainda na cama, a noticia e a demissão de Magalhães, impressa no Jornal do Comércio. Grande foi a sua mágoa, mas ainda maior que a mágoa foi a raiva que esta notícia lhe causou. Demitir Magalhães! Oliveira mal podia compreender este ato do ministro. O ministro era necessariamente tolo ou tratante.

Havia patronato naquilo. Não seria pagamento a algum eleitor solícito?

Estas e outras conjeturas preocuparam o advogado até à hora do almoço. Almoçou pouco. O estômago acompanhava a dor do coração.

Magalhães devia ir nesse dia ao escritório de Oliveira. Com que ansiedade esperou este a hora marcada! Esteve a ponto de faltar a um depoimento de testemunhas. Mas a hora chegou e Magalhães não apareceu. Oliveira estava sobre brasas. Qual a razão da falta? Não atinava com ela.

Eram quatro horas, quando saiu do escritório, e sua resolução imediata foi meter-se num tílburi e seguir para a Glória.

Assim o fez.

Quando lá chegou, estava Magalhães lendo um romance. Não parecia abatido pelo golpe ministerial. Todavia, não estava alegre. Fechou o livro lentamente e abraçou o amigo.

Oliveira não podia conter a sua cólera.

- Lá vi hoje, disse ele, a notícia da tua demissão. É uma patifaria sem nome...

- Por quê?

- Ainda o perguntas?

- Sim; por quê? O ministro é senhor dos seus atos e responsável por eles; podia demitir-me e fê-lo.

- Mas fez mal, disse Oliveira.

Magalhães sorriu tristemente.

- Não podia deixar de o fazer, disse ele; um ministro é muitas vezes um amanuense do destino, que só parece ocupar-se em me perturbar a vida e multiplicar todos os esforços.

- Que queres? Eu já estou acostumado, não resisto; dia virá em que estes golpes terão um termo. Dia virá em que eu possa vencer a má fortuna de uma vez para sempre. Tenho o remédio nas mãos.

- Deixa-te de tolices, Magalhães.

- Tolices?

- Mais que tolices; sê forte!

Magalhães abanou a cabeça.

- Não custa aconselhar fortaleza, murmurou ele; mas quem tem sofrido como eu...

- Já não contas com os amigos?

- Os amigos não podem tudo.

- Muito obrigado! Eu te mostrarei se podem.

- Não te iludas, Oliveira; não te esforces a favor de um homem que a sorte condenou.

- Histórias!

- Sou um condenado.

- És um fracalhão.

- Acreditas que eu...

- Acredito que és um fracalhão, e que não pareces aquele mesmo Magalhães que sabe conservar o sangue frio em todas as ocasiões graves. Descansa, eu tirarei desforra brilhante. Antes de quinze dias estarás empregado.

- Não creias...

- Desafias-me?

- Não; bem conheço de que é capaz teu coração nobre e generoso... mas...

- Mas o quê?

- Receio que a má fortuna seja mais forte do que eu.

- Verás.

Oliveira deu um passo para a porta.

- Nada disso impede que venhas jantar comigo, disse ele, voltando-se para Magalhães.

- Obrigado; já jantei.

- Anda ao menos comigo para ver se te distrais.

Magalhães recusou; mas Oliveira insistiu com tão boa vontade que não havia recusar.