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- Tinhas a obsessão de um cheiro nunca sentido?
- Exatamente. Ainda era romåntico e até aos dezoito anos tentei
com um pouco de literatura e alguns conhecimentos químicos, o prazer
dos perfumes, dos cheiros artificiais. Arranjei catálogos, estudei
longamente, tive baterias de perfumes em frascos de cristal, fiz como
todo sujeito lido em livros franceses, a sinfonia dos perfumes, a
alegoria dos perfumes, a pintura sugestiva dos perfumes, combinando
essências, renovando as camadas de ar do aposento com pulverizadores
cheios de misturas sábias ao lado de incensários a queimar olências
exóticas. Era perturbador e era irritante. O meu olfato desejava,
tal as marafonas que a sorte eleva ao grande luxo, excessos de
natureza, virilidades de ambiente. Esses perfumes que as mulheres
usam, esses perfumes com que vocês se civilizam e se friccionam são
ignóbeis. Na composição química da enorme quantidade por mim
aspirada senti apenas que poderia fazer um catálogo, dividindo em
classes de almas a diversa temperatura: perfumes quentes,
semi-oleosos, perfumes tépidos, perfumes frios. Os perfumes de
Haubigant dão sempre a impressão de calidez, de calor opressivo.
Os ingleses e os americanos fazem-nos frios, desses que a gente ao
aspirar pensa em águas geladas e madrugadas hibemais. Meia dúzia de
refinados franceses conseguem a meia temperatura, evolando-se
lentamente. E há também os medíocres, os reles, os que lembram
montras de boulevards em bluffs de luxo e de conforto, elegåncias por
todo o preço de armazéns duvidosos.
Quer uns quer outros, entretanto, acabaram por me fazer mal, dores de cabeça,
apertões nas têmporas, uma impressão angustiosa de acachapamento. Mas era
muito artista. Um amigo, de volta do Oriente, trouxe-me então uma coleção
de perfumes. Eram maravilhosos. Andei doente e morno, com uma alma de serralho
e de mel por aspirar um frasco de essência de rosas. Esses perfumes entravam-me
no crânio como estofos bordados de pedraria, como broquéis incrustados
de gemas coruscantes. Deixavam-me sonambúlico, com frases de antifonário
e sonhos de rosas de Chraz, de Kemar, de Kashmir. Vi então que a minha doença
não amava as concentrações mais ou menos industriais.
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