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Falta-me a coragem de morrer... |
Ora, numa terça antes do carnaval, com a agitação da cidade, habitual em tais dias, sentia-me inquieto, indeciso, nervoso. Desejava voltar a casa e queria aborrecidamente beber champagne e ouvir gritos no clube - onde se anunciava uma ululante redoute. A porta do club ainda hesitei. Ia acontecer-me qualquer coisa de desagradável. Com certeza. Sem ter inimigos, apalpei o revólver no bolso da calça. Há desses instantes de polarização nervosa em que vagamente sentimos o que está no ar e vem... Veio. Veio como os ciclones. Ainda no vestiário senti uma voz de agonia: - Leve-me daqui já ou estou perdida! Pela sua honra... Voltei-me. Era um dominó. - Que brincadeira é essa? - Por piedade! Não posso falar aqui. Escute, venha cá... Frágil, a sua força nervosa era tão intensa, que quase me arrastava para a rua. - Você está doida, mulher? - Pelo amor de Deus! Só a sua companhia até mais abaixo, Rozendo... - Conhece-me? - Sim, sim. Salve-me de morrer! - Mas quer comprometer-me? - Não. Quero a sua presença contra um covarde! Na rua um táxi rodava vazio. Ela precipitou-se. - Mande tocar já, já - para onde quiser... Olhei em redor. Não havia ninguém suspeito. Tratava-se por conseqüência de uma aventura sem conseqüências. Ela entregava-se, indo onde eu quisesse... Curvei-me para o motorista e, quase em segredo, dei-lhe uma direção vaga. Por quê? Até hoje não sei. Quando me voltei, o automóvel em marcha, o dominó levantou a máscara. Era Corina Gomes, os beiços trêmulos, lívida... - Você? bradei colérico. - A desgraça da minha vida! Não gosta de mim, bem sei. Mas não se trata de amor, Rozendo! Só o sr. poderá salvar-me. - Eu? - Há três anos suporto as torturas de um monstro. Tudo quanto ganho é dele. Quando vou ao club toma-me o dinheiro. Depois fecha o quarto todo, abre vários frascos de éter, põe-me inteiramente nua, prende-me os cabelos à gaveta da cômoda, e goza naquela atmosfera desvairante, gotejando sobre mim éter. Oh! não imagina! não imagina! Cada gota que cai dá-me um arrepio. Ao cabo de certo tempo é uma sensação de queimadura, queimadura de gelo até a insensibilidade... Ontem, não foi possível tolerá-lo mais. Protestei, gritei, contei tudo à gente da pensão. Dois homens que lá estavam puseram-no na rua a pontapés. Ele voltou. Não o recebi. Deu então para perseguir-me. Jurou que me matava. Ando a fugir. Vejo-o por todos os lados. É certo que me matará... - E você incomoda-me por uma tolice dessas! Faça as pazes. - É tarde. Não tenho coragem. Antes de ouvir-me, mata-me. Tenho a certeza. Os meus dias estão contados. Conheço-o. Disse aquelas palavras com tal segurança que não hesitei um segundo. Também eu tinha a certeza da fatalidade que vence todos os obstáculos, também eu via aquela criatura morta... - Mas que fazer? - Se pudesse esconder-me uns dias, dar-me depois uma passagem? É inútil, porque ele acabará por encontrar-me. Mas eu tenho medo, muito medo. Falta-me a coragem de morrer, Rozendo! Devia ter levado Corina à policia, denunciado o monstro. E, livre de responsabilidade, ir dormir em seguida. Assim faria um homem de bem no uso das suas faculdades. - Sabe onde está ele? - Por ai. Procura-me... |
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