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O CARRO VOAVA E O MINISTRO CONTINUAVA A VOCIFERAR ... |
O carro voava e o ministro continuava a vociferar: - Miserável! Traidor! Pára! Pára! Em uma dessas vezes voltou-se o cocheiro; mas a escuridão que se ia, aos poucos, fazendo quase perfeita, só lhe permitiu ver os olhos do guia da carruagem, a brilhar de um brilho brejeiro, metálico e cortante. Pareceu-lhe que estava a rir-se. O calor aumentava. Pelos cantos o carro chispava. Não podendo suportar o calor, despiu-se. Tirou a agaloada casaca, depois o espadim, o colete, as calças. Sufocado, estonteado, parecia4he que continuava com vida, mas que suas pernas e seus braços, seu tronco e sua cabeça dançavam, separados. Desmaiou; e, ao recuperar os sentidos, viu-se vestido com uma reles libré e uma grotesca cartola, cochilando à porta do palácio em que estivera ainda há pouco e de onde saíra triunfalmente, não havia minutos. Nas proximidades um cupê estacionava. Quis verificar bem as coisas circundantes; mas não houve tempo. Pelas escadas de mármore, gravemente, solenemente, um homem (pareceu-lhe isso) descia os degraus, envolvido no fardão que despira, tendo no peito as mesmas magníficas grã-cruzes. Logo que o personagem pisou na soleira, de um só ímpeto aproximou-se e, abjetamente, como se até ali não tivesse feito outra coisa, indagou: - V. Exa. quer o carro? Lima Barreto |
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