QUASE TOMAVA NOTAS, DESENHAVA ESQUEMAS DA POSTURA...



Quase tomava notas, desenhava esquemas da postura, das maneiras, das mesuras do elegante senhor...

Havia naquilo tudo, na singular concordåncia dos olhares e gestos, dos ademanes e posturas dos interlocutores, uma relação oculta, uma vaga harmonia, uma deliciosa equivalência que, mais do que o espetáculo do palco, me interessavam e seduziam. E tal era o ascendente que tudo isso tinha sobre o meu espírito que, ao chegar em casa, antes de deitar, quase repetia, com o meu velho chapéu de feltro, diante do meu espelho ordinário, as performances do cavalheiro.

Quando cheguei ao quinto ano do curso e os meus destinos me impuseram, resolvi habilitar-me com uma casaca e uma assinatura de cadeira do Lírico. Fiz consignações e toda a espécie de agiotagem com os meus vencimentos de funcionário público e para lá fui.

Nas primeiras representações, pouco familiarizado com aquele mundo, não tive grandes satisfações; mas, por fim, habituei-me.

As criadas não se fazem em instantes duquesas? Eu me fiz logo homem de sociedade.

O meu colega Cardoso, moço rico, cujo pai enriquecera na indústria das indenizações, muito concorreu para isso.

Fora simples a ascensão do pai à riqueza. Pelo tempo do governo provisório, o velho Cardoso pedira concessão para instalar uns poucos de burgos agrícolas, com colonos javaneses, nas nascentes do Purus; mas, não os tendo instalado no prazo, o governo seguinte cassou o contrato. Aconteceu, porém, que ele provou ter construído lá um rancho de palha. Foi para os tribunais que lhe deram ganho de causa, e recebeu de indenização cerca de quinhentos contos.

Encarregou-se o jovem Cardoso de me apresentar ao "mundo", de me informar sobre toda aquela gente. Lembro-me bem que, certa noite, me levou ao camarote dos Viscondes de Jacarepaguá. A viscondessa estava só; o marido e a filha tinham ido ao buffet. Era a viscondessa uma senhora idosa, de traços empastados, sem relevo algum, de ventre proeminente, com um pince-nez de ouro trepado sobre o pequeno nariz e sempre a agitar o cordão de ouro que prendiam grande leque rococó.

Quando entramos, estava sentada, com as mãos unidas sobre o ventre, tendo o fatal leque entre elas, o corpo inclinado para trás e a cabeça a repousar sobre o espaldar da cadeira. Mal desmanchou a posição em que estava, respondeu maternalmente aos cumprimentos, e interrogou o meu amigo sobre a família.

— Não desceram de Petrópolis, este ano?

— Meu pai não tem querido... Há tanta bexiga...

— Que medo tolo! Não acha doutor? dirigindo-se a mim.

Respondi:

— Penso assim também, viscondessa.

Ela ajuntou então:

— Olhe, doutor... como é a sua graça?

— Bastos, Frederico.

— Olhe, doutor Frederico; lá em casa, havia uma rapariga... uma negra... boa rapariga...

E, por aí, desandou a contar a história vulgar de uma pessoa que trata de outra atacada de moléstia contagiosa e não apanha doença, enquanto a que foge, vem a morrer dela.

Depois da sua narração, houve um curto silêncio; ela, porém, o quebrou:

— Que tal, o tenor?

— E bom, disse o meu amigo. Não é de primeira ordem, mas se o pode ouvir...

— Ah! O Tamagno! suspirou a viscondessa.

— O cåmbio está mau, refleti; os empresários não podem trazer notabilidades.

— Nem tanto, doutor! Quando estive na Europa, pagava por um camarote quase a mesma cousa que aqui... Era outra cousa! Que diferença!