II
Dorme, cidade maldita ...




II
Dorme, cidade maldita,
Teu sono de escravidão!...
Dorme, vestal da pureza,
Sobre os coxins do Sultão!...
Dorme, filha da Geórgia
Prostituta em negra orgia
Sê hoje Lucrécia Bórgia
Da desonra no balcão!...

Dormir?!... Não! Que a infame grita
Lá se alevanta fatal...
Corre o champagne e a desonra
Na orgia descomunal...
Na fronte já tens o laço...
Cadeia de ouro no braço,
De pérolas um baraço,
— Adornos da saturnal!

Louca!... Nem sabe que as luzes,
Que acendeu pra as saturnais,
São do enterro de seus brios
Tristes círios funerais...
Que o seu grito de alegria
É o estertor da agonia,
A que responde a ironia
Do riso de Satanás!...

Morreste... E ao teu saimento
Dobra a procela no céu.
E os astros — olhar dos mortos —
A mão da noite escondeu.
Vê!... Do raio mostra a lampa
Mão de espectro, que destampa
Com dedos de ossos a campa,
Onde a glória adormeceu.

E erguem-se as lápidas frias,
Saltam bradando os heróis:
"Quem ousa da eternidade
Roubar-nos o sono a nós?"
Responde o espectro: A desgraça!
Que a realeza, que passa,
Com o sangue da vossa raça,
Cospe o lodo sobre vós!..."

Fugi, fantasmas augustos!
Caveiras que coram mais,
Do que essas faces vermelhas
Dos infames párias!...
Fugi do solo maldito...
Embuçai-vos no infinito!...
E eu por detrás do granito
Dos montes ocidentais...

Eu também fujo... Eu fugindo!!...
Mentira desses vilões!
Não foge a nuvem trevosa
Quando em asas de tufões,
Sobe dos céus à esplanada,
Para tomar emprestada
De raios uma outra espada,
À luz das constelações!...

Como o tigre na caverna
Afia as garras no chão,
Como em Elba amola a espada
Nas pedras — Napoleão,
Tal eu — vaga encapelada,
Recuo de uma passada,
Pra levar de derribada
Rochedos, reis, multidões...!