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Caso do Conselho Municipal do DF (início da Doutrina Brasileira do Habeas Corpus).
O advogado Melchiades Mário de Sá Freire, após ser indeferido habeas corpus pelo Juiz Federal da 1ª Vara, interpõe recurso para o Supremo Tribunal Federal, em favor de Thomaz Delfino e outros Intendentes eleitos para o Conselho Municipal do Distrito Federal, com o fim de poderem ingressar no prédio do Conselho e ali exercer suas funções.
Alega abuso de poder de Nilo Peçanha, Vice-Presidente da República no exercício da Presidência, ao interditar, por decreto, o acesso àquele prédio.
Os Intendentes resolvem dividir-se em dois grupos, de oito cada um, para os trabalhos preliminares de instalação do Conselho.
Nilo Peçanha, considerando ilegal tal divisão para a constituição do Conselho, porque a abertura dos trabalhos exige a presença de onze membros, declara extinto o Conselho, impede o acesso ao seu prédio, comunica o fato ao Congresso e determina que o Prefeito administre o Distrito Federal independentemente do Conselho Municipal.
Relator: Ministro Canuto Saraiva.
Data do julgamento: 8.12.1909.
Decisão: Negado provimento ao recurso, por maioria, para confirmar a decisão recorrida.
Publicação do acórdão: Revista O Direito , v. 115 / 121-127.
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Íntegra do Acórdão:
ACÓRDÃO
Relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus, interposto pelo Dr. Melciades Mario de Sá Freire da decisão de fls. 50, na qual o Juiz Federal da 1º Vara negou habeas corpus por ele impetrado a favor do Dr. Thomaz Delphino dos Santos e outros, pelos motivos e para os efeitos declarados na petição inicial; não vencida a preliminar levantada em Mesa - de inconstitucionalidade do decreto do Poder Executivo nº 7.689, de 26 de novembro findo, que "determinou que, até ulterior deliberação do Congresso Nacional, o Prefeito administre e governe o Distrito independentemente da colaboração do Conselho Municipal, que é considerado não existente, por não se ter constituído na forma do direito"; acordam negar provimento ao recurso e confirmar, como confirmam, a decisão recorrida.
O impetrante, dizendo que o Conselho Municipal, guardadas todas as prescrições legais e o seu Regimento Interno, havia reconhecido os poderes de seus membros, proclamado Intendentes os onze cidadãos mencionados na petição, os quais foram devidamente empossados, achava-se legalmente constituído e legitimamente habilitado para exercer as suas funções, e até as exerceu; quando fora coagido a interromper esse exercício, por abuso de poder do Presidente da República, que, violando a expressa disposição do art. 12 do decreto nº 5.160, de 8 de março de 1904, que dá ao Conselho Municipal, como um dos atributos de sua autonomia, a competência para - "verificar os poderes de seus membros, e para organizar o Regimento de suas sessões", ad instar da atribuição conferida a cada uma das Casas do Congresso Nacional pelo art. 18, parágrafo único, da Constituição Federal, baixou o ilegal decreto - declarando inexistente o Conselho Municipal, ameaçando impedir os pacientes de livre ingresso no edifício do Conselho, onde têem eles direito ao exercício do mandato legislativo municipal, na forma da Constituição e leis ordinárias; pelo que, fundado no art. 72, § 22, da mesma Constituição, impetrava uma ordem de habeas corpus, para cessar semelhante abuso e violência.
Assim posta a questão é, sem dúvida, o habeas corpus autorizado pelo art. 72, § 22, da Constituição, na amplitude de seus termos - "dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder", o único meio legal e hábil contra a lesão do direito, se efetivamente ela se deu.
Não se pode, porém, com fundamento no citado art. 12, do decreto nº 5.160, negar ao Poder Judiciário competência para conhecer da regularidade da formação do Conselho, desde que, chamado para julgar a questão, é esse o ponto substancial e único de divergência, afirmando o decreto do Poder Executivo - que não existe Conselho, porque não se organizou na forma de direito, e aponta as infrações legais na sua formação; e, ao contrário, o impetrante - que o Conselho está regularmente organizado e em funções.
É, pois, intuitiva a competência do Poder Judiciário para, no caso concreto, conhecer de todas as circunstâncias de fato e de direito relativas à organização do Conselho
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Examinadas as alegações do impetrante e os documentos juntos aos autos, quer antes e quer depois da sentença recorrida, é incontestável que são jurídicos e subsistem os motivos em que ela se fundou para denegar a ordem de habeas corpus impetrada.
Foram violados textos expressos de lei e do Regimento Interno do próprio Conselho, em pontos substanciais, para organização dessa Corporação:
É assim que, entre outras, não foram guardadas as disposições dos arts. 1, 5 § 2º, 8, 9 § 1º do Regimento; - a reunião dos Intendentes diplomados, que deveriam eleger a Mesa provisória, ante a qual é feita a verificação de poderes, não foi presidida pelo Intendente diplomado mais velho de entre os presentes; a verificação de poderes foi feita de modo a importar em anulação de eleição, dando em resultado ficarem candidatos diplomados inferiores em votos a outros não diplomados, e o Conselho não mandou proceder a nova eleição para as vagas resultantes das nulidades; excluídos três diplomados, reconhecidos com prejuízo de três diplomados, sem que o Conselho mandasse proceder a nova eleição, como dispõe a lei, esses três Intendentes reconhecidos ilegalmente não podem ser computados para a formação dos dois terços indispensáveis para sua instalação e funcionamento ordinário; a posse foi dada pelo Presidente do Conselho anterior somente.
Todos esses fatos estão provados pelos documentos juntos aos autos.
Dessas violações de lei nem todas são substanciais, é certo, sendo fórmulas legais, que, preteridas, não poderiam, em rigor de direito, anular a organização do Conselho; outras, porém, são inquestionavelmente substanciais, sendo deste número a inobservância da disposição do art. 5º, § 2º, do Regimento interno do Conselho, que é a mesma do art. 92, do decreto n° 5.160, de 08 de março de 1904, que preceitua - "ao Conselho Municipal que for eleito compete a verificação dos poderes de seus membros.
Sempre que, no exercício desta atribuição, o Conselho anular uma eleição sob qualquer fundamento, resultando desse ato ficar o candidato diplomado inferior em números de votos a qualquer outro não diplomado, mandará proceder a nova eleição para preencher a vaga ou vagas resultantes das nulidades, prevalecendo, entretanto, as eleições dos outros candidatos".
A exceção à regra, invalidade do diploma por incompatibilidade do votado, definida em lei, não ocorreu no caso.
Deixando de cumprir disposição legal tão clara e expressa, reconhecendo três cidadãos não diplomados, reconhecimento manifestamente nulo, não tinha o Conselho o número legal indispensável para instalar-se e funcionar, que é dois terços do mesmo Conselho, isto é, onze intendentes reconhecidos.
Esse é o motivo fundamental do decreto nº 7.689 de 26 de novembro. E motivo de procedência legal inquestionável.
Não procede, portanto, o habeas corpus impetrado, para o efeito de se julgar regularmente organizado e em funções o Conselho Municipal, como infundadamente pretende o impetrante. E, por isso, confirmam a decisão recorrida.Supremo Tribunal Federal, 8 de dezembro de 1909. - Pindahiba de Mattos, Presidente. - Canuto Saraiva, Relator. - M. Espinola. - A. A. Cardoso de Castro, vencido. - Manoel Murtinho.
Pedro Lessa. Neguei a ordem de habeas corpus impetrada, pelos fundamentos que passo a expôr.
O ato de que se originou este habeas corpus, foi o decreto do Presidente da República, que declarou que, por força maior, nos termos do art. 23 do decreto nº 5.160, de 8 de março de 1904, ao Prefeito ficava confiada a administração do município da Capital Federal, dissolvido o Conselho Municipal.
O decreto do Presidente da República de 26 de novembro do corrente ano é ilegal e inconstitucional.
É ilegal; porquanto, o art. 23 do decreto nº 5.160, de 8 de março de 1904, dispõe: "No caso da anulação da eleição, ou em qualquer outro de força maior, que prive o Conselho Municipal de se reunir, ou de se compôr, o Prefeito administrará e governará o Distrito Federal, de acordo com as leis municipais em vigor".
Conseguintemente, há unicamente dois casos em que o Prefeito governa e administra sem o Conselho Municipal: 1º. o caso de se anular a eleição; 2º. o caso de força maior.
Não se cogita presentemente de anulação de eleição.
O que entende o Poder Executivo federal, é que se verificou a segunda hipótese do art. 23 do decreto de 1904: - força maior.
Mas, a essa opinião se opõem noções elementares de direito. A expressão - força maior - tem significação bem conhecida. Caso fortuito e força maior - são todos os fatos que se não podem prever, ou a que, se porventura previstos, não se pode resistir.
Distinguem muitos jurisconsultos o caso fortuito da força maior, dizendo que o primeiro procede dos elementos, das forças da natureza, como a tempestade, o terremoto, a moléstia, o raio, ao passo que a força maior é oriunda da vontade das autoridades, ou da violência dos homens, como os atos dos piratas e salteadores.
Para outros o caso fortuito e a força maior são expressões sinônimas (BOURGOIN - Essai sur la distinction du cas fortuit et de la force majeure, pag. 13).
Era, pois, necessário que se tivesse dado um desses fatos que se não prevêem, ou a que se não resiste, para que o Distrito Federal ficasse privado de seu Conselho Municipal.
Deu-se algum desses fatos? Absolutamente, não.
O que se verificou foi somente isto: ao lado da Mesa legal, que é a presidida pelo mais velho dos intendentes diplomados, formou-se uma outra, presidida por intendente mais moço.
É evidente e indiscutível que, em face da lei, a segunda Mesa representa apenas uma extravagância, um capricho, um gracejo de mau gosto.
Só há uma mesa, a presidida pelo mais velho. Se as autoridades municipais e as federais, observando seriamente a lei, não se correspondessem com a Mesa ilegal, se a considerassem inexistente, bastaria isso para que desaparecesse o fato que se equiparou à força maior.
Não se deu manifesta e inquestionavelmente nenhum caso de força maior.
Sendo ilegal, o decreto de 26 de novembro último é inconstitucional. A inconstitucionalidade neste caso é um corolário lógico da ilegalidade.
O art. 23 do citado decreto de 8 de março de 1904, figura as duas únicas hipóteses em que o Distrito Federal fica privado de seu Poder Legislativo, anulação de eleição e força maior.
Essas hipóteses são de tal natureza, que, ainda quando não houvesse lei alguma a esse respeito, o que se prescreve no art. 23 se teria de realizar forçadamente. O art. é inútil. Desde que a eleição foi anulada, e não há Intendentes municipais, ou desde que uma epidemia, um terremoto, uma revolução, uma guerra, é obstáculo à reunião do Conselho Municipal, o Prefeito, Poder Executivo, continua a desempenhar suas funções, a administrar.
É o que faria o Presidente da República, ou o de qualquer Estado da União, si por força maior os Congressos da União ou dos Estados, não se pudessem reunir. O art. 23 manda fazer o que pela natureza das coisas não seria possível deixar de fazer. Por outro lado, é somente nas duas hipóteses figuradas no art. 23 que o Prefeito pode e deve funcionar sem o Conselho Municipal.
O Distrito Federal não tem a autonomia ampla, assegurada aos outros municípios pelo art. 68 da Constituição Federal. Sua autonomia é cerceada pelo art. 34 nº 30 da Constituição.
Mas, sem embargo dessas restrições, que somente o Poder Legislativo, e nunca o Executivo, pode estabelecer, o Distrito Federal é um município autônomo, administrado por autoridades municipais, como estatui o art. 67 da mesma Constituição.
Não é lícito ao Presidente da República privá-lo do seu Poder Legislativo. Seria atentar contra a autonomia do Distrito Federal, violando o art. 67 da Constituição. Nos dois casos do art. 23 não é o Poder Executivo federal, não é nenhum poder, que priva o Distrito Federal de seu Conselho Municipal.
É pela ordem natural das coisas, é por uma injunção da necessidade, que o fato se dá. Não havendo Conselho Municipal, o Prefeito continua a exercer suas funções administrativas. Conseqüentemente, fora das duas hipóteses do art. 23 do decreto de 8 de março de 1904, privar o Distrito Federal do seu Poder Legislativo é violar a Constituição.
Entretanto, neguei a ordem de habeas corpus porque o fim que se tentou conseguir, impetrando-a, não foi garantir a liberdade individual somente, mas resolver concomitantemente uma questão de investidura em funções de ordem legislativa.
Ensinam os publicistas ingleses e americanos, que nesta matéria são maestri di color che sanno, que o habeas corpus tem por função garantir unicamente a liberdade individual.
Whenever any person is detained with or whithout one process of law, unless for treson or filany and especially expressed in the warrant of commitment, or unless such person be a convict, or legally charged in excution, he is entitled to his writ of habeas corpus (KENT - Commentaries on American Law, vol. 2º, pag. 26, da 14ª ed.).
COOLEY, depois de assinalar que o habeas corpus é uma das principais salvaguardas da liberdade pessoal, reproduz a noção de liberdade individual de BLACKSTONE - "personal liberty consists in the power of locomotion, of changing situation, or moving one's person to whatsoever place one's assu inclination may direct, without insprisonment or resthaint, unless by due course of law" (Constitutional Limitations, pag. 412 da 6ª ed.).
Ainda que se adote o conceito da liberdade individual dos que mais dilatam esse direito, como, por exemplo, o que nos ministra A. BRUNIALTI no segundo volume de sua obra - Il Diritto Costituzionale e la Politica, pag. 642, nunca será permitido afirmar que o habeas corpus seja meio regular de garantir a liberdade individual, resolvendo simultaneamente outras questões, envolvidas propositalmente na decisão do habeas corpus, que foi o que se pretendeu nestes autos.
Intendentes que formaram uma Mesa manifestamente ilegal pretendiam obter uma ordem de habeas corpus para penetrar na sala do Conselho Municipal, e funcionar, na qualidade de Presidente e Secretários alguns, e na de intendentes, legalmente empossados, todos. Isso seria dar ao habeas corpus uma extensão que não tem nos países cultos.
André Cavalcanti, vencido. - Oliveira Ribeiro. - Ribeiro de Almeida. - Amaro Cavalcante, vencido. Concedi habeas corpus para o fim de os intendentes, diplomados pela junta de pretores, poderem penetrar no edifício do Conselho Municipal, e aí exercerem as funções legais decorrentes de seus diplomas. - Godofredo Cunha.
OPÇÕES DE NAVEGAÇÃO NO MESMO TEMA:
(Fonte: links do site www.casaruibarbosa.gov.br)