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Direito de reunião e de livre manifestação de pensamento na campanha de Rui Barbosa à Presidência da República -
Artur Pinto da Rocha pede habeas corpus preventivo em favor do Senador Rui Barbosa, candidato à Presidência da República, e de correligionários políticos ameaçados, segundo alega, por abuso de autoridades estaduais, na Bahia, em seu direito de reunião e livre manifestação do pensamento.
O habeas corpus é para o fim de poderem os pacientes, sem qualquer coação, reunir-se em ruas, praças públicas, teatros ou quaisquer recintos em comícios em prol da candidatura de Rui.
Relator: Ministro Edmundo Lins.
Data do julgamento: 5.4.1919
Decisão: Concedida a ordem, unanimemente.
Publicação do acórdão: Revista Forense, v.
XXXI/212-216.
Íntegra do Acórdão:
Vistos, relatados e discutidos estes autos, deles consta que o senador Ruy Barbosa, por seu procurador dr. Arthur Pinto da Rocha, requereu o presente habeas corpus preventivo, para si e para os srs. dr. Miguel Calmon, dr. Pedro Lago, dr. Simões Filho, dr. Medeiros Netto, dr. Vital Soares, dr. Lemos Britto, dr. Pires de Carvalho, Altamirando Requião, Octaviano Saback, Américo Barreto, dr. Alberto Porto Rodrigues da Silveira, Agenor Chaves, Madureira de Pinho, Mario Leal, Homero Pires, dr. João Mangabeira, Archimedes Pires, dr. Alfredo Ruy Barbosa e dr. Caio Monteiro de Barros, individualmente, e extensiva a todos os seus correligionários políticos e amigos, para que possam, no Estado da Bahia e principalmente na cidade de São Salvador, sua capital, reunir-se todos, em comícios, nas praças públicas, ruas, teatros e quaisquer outros recintos, onde manifestem, livremente, seus pensamentos e opiniões, ameaçados como se acham todos, de sofrer violências e impedidos e coagidos como estão, por abusos de autoridade dos poderes públicos do Estado, representados por sua polícia.
O impetrante justifica o perigo iminente de coação com os seguintes fatos:
1.º como é notório, a polícia, por soldados à paisana e desordeiros da pior espécie, dispersou, a tiros de revólver, um comício que, a 25 de março findo, os drs. Miguel Calmon e Pedro Lago e outros pretendiam realizar, na praça Rio Branco, a favor da candidatura do impetrante ao cargo de Presidente da República, sendo certo que essa malta fora aliciada e posta às ordens do chefe de Polícia dr. Alvaro Cóva, do deputado federal Alvaro Villas Boas e de Carlos Seabra, filho do senador J. J. Seabra;
2.º depois dos lutuosos acontecimentos desse dia, todos os telegramas da Bahia, quer particulares, quer dirigidos à imprensa desta capital, traduzem, claramente, a situação de verdadeiro terror pânico em que se acha a população da cidade de S. Salvador, prevendo, para cada momento, as mais graves e trágicas perturbações da ordem, à vista das ameaças que são publicamente feitas aos adversários oposicionistas.
Entre esses telegramas, merece especial menção aquele que anuncia o propósito firme em que se acham o senador Seabra e seus adeptos de comparecer às reuniões convocadas pelos amigos do impetrante, afim de apartearem aos oradores e, principalmente, ao próprio candidato da Nação, quando este se referir ao Governo do Estado;
3.º como se vê de um telegrama do dia 26, publicado no Jornal do Comércio desta Capital, o chefe de Polícia, de certo com ciência e aquiescência do governador do Estado, suprimiu as liberdades de reunião e de pensamento, garantidas pelos parágrafos oitavo e duodécimo do art. 72 da Constituição Federal.
Eis, de fato, os termos do referido despacho telegráfico:
"Em vista da lamentável ocorrência de ontem, o chefe de Polícia, dr. Alvaro Cóva, resolveu proibir o meeting, anunciado para hoje, em que queria falar o dr. Guilherme de Andrade, em favor do senador Epitácio Pessoa, também quaisquer outros que forem anunciados".
Tendo sido convertido o julgamento em diligência para se requisitarem informações do governador da Bahia, este as prestou, ut telegrama de fls.
Isto posto, cumpre resolver as seguintes questões:
1.ª, se a espécie é da competência originária do Tribunal; 2.ª, se, para ela, tem cabimento o habeas corpus; e, 3.ª, se se acham provados os respectivos requisitos.
A resposta à primeira questão não pode deixar de ser afirmativa, por se tratar, exatamente, da hipótese prevista na última alínea do art. 23 da lei n. 221, de 20 de novembro de 1892, alínea que, de acordo com a jurisprudência assente desta Corte, é perfeitamente constitucional, pelo que tem sido e deve continuar a ser cumprida pelo Poder Judiciário.
Ora, segundo tal dispositivo, este Tribunal é competente para conceder, originariamente, a ordem de habeas corpus no caso de iminente perigo de consumar-se a violência, antes de outro tribunal ou juiz poder tomar conhecimento da espécie em primeira instância.
É o que, na hipótese vertente, fatalmente se daria, se ao Juízo Federal da seção da Bahia fosse impetrado este habeas corpus e ele o denegasse, pois o recurso de sua decisão só poderia ser decidido por este Tribunal no prazo mínimo de quinze a vinte dias, ao passo que faltam apenas oito para a eleição de Presidente da República: claríssimo, pois, que se consumaria, plenamente, a violência de que se arreceia o impetrante.
Afirmativa, igualmente, é a resposta à segunda questão.
Com efeito, para a maioria do Tribunal, é princípio corrente que o habeas corpus é competente para proteger o exercício de qualquer direito, desde que este seja certo, líquido e incontestável.
E, atentos os parágrafos oitavo e duodécimo do art. 72 da Constituição Federal, é certo, líquido e incontestável o direito que têm todos os indivíduos de se associarem e de se reunirem, livremente e sem armas, para manifestarem seu pensamento pela tribuna, sem dependência de censura, não podendo a polícia intervir senão para manter a ordem pública.
Não diverge a solução e a resposta para os juízes que, como o relator deste feito, se acham em minoria no Tribunal, para os quais o habeas corpus só é competente para proteger o direito de liberdade corpórea ou a simples faculdade de livre locomoção.
A razão é que essa faculdade, conforme a definição clássica, é o - jus manendi, eundi, veniendi ultro citroque.
Compõe-se, portanto, o respectivo conteúdo de três direitos:
1.º) o de permanecer o indivíduo em qualquer lugar, à sua escolha, desde que seja franqueado ao público;
2.º) o de ir de qualquer parte, para esse lugar; e, 3.º) o de vir, para ele, também, de qualquer outro ponto.
Ora, desde que, como na espécie, a polícia proíba comícios, intuitivamente nenhum desses direitos poderá ser exercido, como o não poderá, se ela os localizar em lugares diferentes.
Mas se, acaso, se obstinar o indivíduo em exercê-los, a sanção natural e óbvia da proibição será, na melhor das hipóteses, a pena de prisão, ou, o que é mais comum, a dissolução do meeting a espaldeiradas ou à pata de cavalo, quer dizer, a privação de direito de livre locomoção, e, simultaneamente, do da integridade corpórea e até do da própria vida.
É, pois, indubitavelmente, um caso típico da competência do habeas corpus, como é este instituto admitido nos povos cultos que o consagraram e como foi sempre aplicado em nosso direito.
Afirmativa ainda é, do mesmo modo, a resposta à terceira questão supra.
Antes de o mostrar, porém, convém observar:
1.º) que este habeas corpus não foi requerido para a punição dos fatos delituosos do dia 25 de março, supra expostos; e nem 2.º) para se proibir que o Senador J. J. Seabra ou qualquer outra pessoa aparteie ao impetrante ou a quem quer que seja que, a favor de sua candidatura, fale em público, pois é um percalço de quem fala em comícios públicos sujeitar-se a apartes de quem se achar em desacordo com suas idéias, acrescendo que o habeas corpus só se destina a proteger o indivíduo contra violências de autoridades públicas e não de simples particulares.
Feitas essas observações, mostremos como procede o pedido do impetrante, nos termos em que foi feito e que constam do início deste Acórdão, salvo na parte concernente a indivíduos não indicados nominalmente.
A esses não se pode estender a ordem impetrada, porque podem não ser brasileiros e nem estrangeiros residentes, aos quais a Constituição Federal assegura a inviolabilidade dos direitos enumerados no art. 72.
Deve, porém, estender-se a todos os outros que foram mencionados, pelos respectivos nomes; porque a polícia não pode, de modo algum, proibir comícios e nem tão pouco localizá-los, pois isto importaria na respectiva supressão.
Efetivamente, depois de assegurar a todos os indivíduos o direito de se reunirem livremente e sem armas, o legislador constituinte definiu muito bem, a respeito, a função preventiva da polícia, verbis "não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública" (art. 72, § 8º).
Ora, desde que a polícia proíbe um meeting ou comício, não intervém no mesmo; pois intervir quer dizer meter-se de permeio, ver ou estar presente, assistir, como se vê em qualquer léxicon.
É intuitivo que se não mete de permeio em uma reunião, não está à mesma presente, não assiste a ela quem a proíbe ou suprime.
Não pode também a polícia localizar os meetings ou determinar que só em certos lugares é que eles se podem efetuar, se forem convocados para fins lícitos, como na espécie:
1.º) porque isto importaria, afinal, em suprimi-los, pois bastaria que ela designasse lugares, ou sem a capacidade necessária à maior aglomeração de pessoas, ou habitualmente freqüentados, apenas, por indivíduos de baixa classe, azevieiros ou frascários;
2.º) porque ninguém pode ser obrigado a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (Const. Fed., art. 72, § 1º.); ora, não há lei alguma que prescreva que só se efetuem comícios em lugares previamente fixados pela polícia; e, ao contrário, o que a lei vigente preceitua é que "não se considera sedição, ou ajuntamento ilícito, a reunião do povo desarmado, em ordem, para o fim de representar contra as injustiças, vexações e mal procedimento dos empregados públicos; nem a reunião pacífica e sem armas de povo nas praças públicas, teatros e quaisquer outros edifícios ou lugares convenientes para exercer o direito de discutir e representar sobre os negócios públicos.
Para o uso dessa faculdade, não é necessária prévia licença da autoridade policial que só poderá proibir a reunião anunciada no caso de suspensão das garantias constitucionais, limitada em tal caso, na ação de dissolver a reunião, guardadas as formalidades da lei e sob as penas nela cominadas" (Cod. Penal, art. 123 e parágrafo único).
Ora, não nos achamos com as garantias constitucionais suspensas.
E, entretanto o sr. Governador da Bahia expediu ao sr. Presidente da República um telegrama, em que lhe participa, com a mais cândida ingenuidade e como a coisa mais natural deste mundo e mais legal, que "o seu chefe de Polícia, dr. Alvaro Cóva, resolveu proibir o meeting anunciado para hoje, em que devia falar o dr. Guilherme de Andrade, a favor do Senador Epitácio Pessôa, e também quaisquer outros que fossem anunciados" (Jornal do Comércio, de 27 de março de 1919, a fls.).
Até agora a veracidade desse telegrama não foi contestada e nem poderá sê-lo; pois o fato consta do Diário Oficial da Bahia, ut fl. verbis:
"O dr. secretário da Polícia e Segurança Pública, a bem da ordem, deliberou não consentir na realização do meeting na Praça Rio Branco, que para hoje anunciou o sr. dr. Guilherme de Andrade, bem como qualquer que for convocado, não só para aquele local como para qualquer outro ponto, que embarace o trânsito e perturbe a tranqüilidade pública" (fl.).
E ainda, em resposta às informações ora pedidas por este Tribunal, o dr. Governador da Bahia, depois de se referir aos sucessos do dia 25 de março, na praça Rio Branco, acrescenta que: "Secretário Segurança Pública resolveu não consentir realização comício na referida praça e em outras em idênticas circunstâncias" (fl.): é a prova provada do abuso do poder, da flagrante ilegalidade do procedimento do chefe de Polícia da Bahia e, pois, da violência iminente, temida pelo impetrante, assim, pois;
Considerando que a Constituição Federal expressamente preceitua que "a todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas, não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública." (Art. 72, § 8º);
Considerando que em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determina." (Art. supra citado, § 12).
Considerando que "não se considera sedição ou ajuntamento ilícito a reunião pacífica e sem armas do povo nas praças públicas, teatros e quaisquer outros edifícios ou lugares convenientes para exercer o direito de discutir e representar sobre os negócios públicos." (Cod. Penal, art. 123), exatamente o fim para que é impetrado o presente habeas corpus;
Considerando, finalmente, que à polícia não assiste, de modo algum, o direito de localizar meetings ou comícios; porque, "para o uso dessa faculdade (a supra transcrita) não é necessária prévia licença da autoridade policial, que só poderá proibir a reunião anunciada, no caso de suspensão das garantias constitucionais, (o que se não verifica na espécie) e ainda em tal caso, "limitada a sua ação a dissolver a reunião, guardadas as formalidades da lei e sob as penas nela cominadas". (Cod. Penal, parágrafo único do art. 123, supra transcrito).
Acordam em Supremo Tribunal Federal, nos termos supra, conceder a presente ordem de habeas corpus ao sr. senador Ruy Barbosa e a todos os indivíduos mencionados nominalmente na petição de fls. 2 e no princípio deste Acórdão, para que possam exercer, na capital do Estado da Bahia e em qualquer parte dele, o direito de reunião, e mais, publicamente, da palavra nas praças, ruas, teatros e quaisquer recintos, sem obstáculos de natureza alguma, e com segurança de suas vidas e pessoas, realizando os comícios que entenderem necessários e convenientes à propaganda da candidatura do impetrante à sucessão do Presidente da República, sem censura e sem impedimento de qualquer autoridade local ou da União.
Supremo Tribunal Federal, 5 de abril de 1919. - H. do Espirito Santo, presidente. - E. Lins, relator. - J. Coelho e Campos. - Canuto Saraiva, pela conclusão com restrição quanto a alguns fundamentos. - João Mendes. - A. Pires e Albuquerque, pela conclusão. - Sebastião de Lacerda. - Viveiros de Castro, concedi a ordem de habeas corpus com a seguinte restrição - reconheci o direito da polícia da Bahia de localizar os meetings, uma vez que os lugares designados fossem no perímetro da cidade, bastante vastos para conter uma numerosa assistência, e de fácil e cômodo acesso.
Assim coarctado o arbítrio da polícia, ficariam garantidos os direitos de todos, e o Tribunal tiraria qualquer possibilidade de ser convertida a ordem de habeas corpus em uma arma agressiva, nem incitamento às violências e desordens.
Quanto às outras providências preventivas que, no cumprimento de seu dever de manter a ordem pública, a polícia entender necessário decretar, reporto-me ao acórdão n. 4.313, deste Tribunal, 11 de julho de 1917, do qual fui relator, e cujos considerandos são juridicamente inatacáveis. - Leoni Ramos, de acordo com o voto do sr. ministro Viveiros de Castro. - G. Natal. - Godofredo Cunha.
Não conheci do pedido, por ser originário, e de meritis votei pela conclusão do acórdão.
Não conheci do pedido do paciente Dr. Alfredo Ruy Barbosa, por ter justo impedimento. - Sebastião de Lacerda.
OPÇÕES DE NAVEGAÇÃO NO MESMO TEMA:
(Fonte: links do site www.casaruibarbosa.gov.br)