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Visto, exposto e discutidos os presentes autos de petição de habeas corpus, em que é impetrante e paciente o cidadão senador Ruy Barbosa;
Alega o impetrante: que fundado no art. 72, § 22, da Constituição da República, vem impetrar a garantia do habeas corpus afim de poder exercer um dos direitos essenciais e desempenhar um dos principais deveres que lhe tocam por força de seu cargo de senador da República;
Que tendo pronunciado na sessão de 4 do corrente, no Senado, um discurso de protesto contra o ato do Governo da União que, infringindo preceitos constitucionais, prorrogou por seis meses o estado de sítio, decretando assim essa medida por toda a sessão anual do Congresso Legislativo, forneceu uma cópia datilográfica da oração que acabava de proferir ao Imparcial, folha que se estampa nesta cidade, para ser dado a público nesse jornal e a outros que dela solicitassem provas impressas;
mas, o 1º delegado auxiliar da polícia desta cidade, em nome de seu chefe, Dr. Francisco Valladares declarou ao sr. Eduardo Macedo Soares, redator d'O Imparcial, que essa autoridade proíbe a publicação dos debates do Congresso Nacional, que condena à clausura, ou reduz aos limites mesquinhos da publicidade oficial, inacessível ao povo, atenta contra os direitos não só do Poder Legislativo, mas também de cada um de seus membros, deputados ou senadores.
E, considerando que o estado de sítio, nos termos em que está instituído no art. 80 da Constituição da República, com os seus limites traçados no § 2º, ns. 1 e 2, do mesmo artigo, ex-vi do art. 19 da mesma Constituição, é inviolável por suas opiniões palavras e voto, no exercício do mandato, sem atentar contra o preceito constitucional do art. 15, que declara "harmônicos e independentes entre si, como órgãos da soberania nacional, o Poder Legislativo e Executivo e o Judiciário";
Considerando que o senador, como representante da soberania nacional, está na sua qualidade isento da ação do Poder Executivo, embora o estado de sítio, sob pena de admitir-se uma restrição, uma fiscalização, uma ascendência deste poder contra o outro, com manifesto sacrifício do preceito imperativo do citado art. 15, que instituiu três poderes políticos, independentes e harmônicos entre si, o que é de alta sabedoria e previdência para o equilíbrio do regimen político da federação brasileira;
Considerando que o constrangimento ou coação de um deputado ou senador no exercício de seu mandato concedido pela soberania nacional, partindo de poder público, incide evidentemente na hipótese do art. 72, § 22, da Constituição da República, que manda conceder habeas corpus "sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou abuso de poder";
Considerando que o fato de que se queixa o senador impetrante do presente habeas corpus "de se achar privado de publicar os seus discursos na impressa, fora do Diário Oficial", por ato do chefe de Polícia desta cidade, importa em manifesta restrição na sua liberdade de representante da Nação, porque o seu mandato deve ser cumprido em sessões públicas do parlamento (art. 18 da Constituição), em discursos, pela palavra falada para a Nação que ele representa;
Considerando que neste regimen político a publicidade dos debates do Parlamento é da sua essência, porque todos os poderes políticos surgem da Nação no exercício de sua soberania, e ela, como comitente do mandato, precisa saber como agem seus representante;
Considerando finalmente que a publicação dos discursos, restrita à imprensa oficial sob a fiscalização do executivo, anula a publicidade;
Acordam por estes fundamentos conceder a ordem impetrada, para que seja o impetrante, senador Ruy Barbosa, assegurado no seu direito constitucional de publicar os seus discursos proferidos no Senado, pela imprensa, onde, como e quando lhe convier.
Supremo Tribunal Federal, 6 de maio de 1914. - H. do Espirito Santo, presidente. - Oliveira Ribeiro, relator.- M. Murtinho. - Canuto Saraiva. - Leoni Ramos. - Sebastião de Lacerda. - Pedro Lessa.
Estando os jornalistas que querem publicar os discursos do Congresso ameaçados de coação ilegal à sua liberdade individual, o caso evidentemente é de habeas corpus. - G. Natal. - André Cavalcanti.- J. L. Coelho e Campos, vencido na preliminar. - Pedro Mibielli:
Preliminarmente não tomei conhecimento do recurso, porque a espécie não comporta o recurso extraordinário do habeas corpus, adstrito a assegurar a liberdade individual, conforme tenho sempre entendido.
Vencido na preliminar, concedo a ordem impetrada, mas tão somente para que se declare que na censura da imprensa que julgo constitucional, na vigência do estado de sítio, não se compreende a dos atos emanados do Congresso Legislativo e dos discursos proferidos pelos senadores e deputados, no recinto das respectivas Câmaras.
A censura, na espécie, importaria em grave embaraço do livre exercício de um dos órgãos do aparelho governamental e em uma restrição ao exercício do mandato legislativo, repelida, aliás, categoricamente, em termos preciosos e claros pelo art. 19 da Constituição da República.
O estado de sítio, a interdição temporária de certas garantias individuais, visa exclusivamente assegurar, com eficácia e com medidas prontas e extraordinárias, o livre funcionamento dos órgãos do aparelho governamental, legitimamente constituídos, ameaçados de eminente perigo em seu exercício por uma comoção interna, como na espécie.
Neste ponto de vista constitucional, as medidas tomadas durante o estado de sítio, no intuito de impedir ou reprimir a comoção interna, não podem ser restritivas das prerrogativas dos poderes políticos constitucionais (art. 15 da Constituição da República), e nem atingir o privilégio, que, em virtude da função são conferidos a cada um dos seus órgãos, porque do contrário o estado de sítio não corresponderia aos seus fins.
Seria antes um fator de embaraço do funcionamento dos Poderes Constitucionais, que um meio extraordinário de lhes assegurar a integridade.- Godofredo Cunha, vencido.
Não tomei conhecimento do presente pedido de habeas corpus, por entender que este não é o remédio hábil para corrigir ou reparar o mal de que se queixa o impetrante.
O preceito do art. 72, § 22, da Constituição, deve ser interpretado em termos, e não com a generalidade que a maioria lhe empresta.
É essa a opinião de Lucio de Mendonça, conselheiro Lafayette, Hwrd, Kent, Rossi, Blackstone e outros, os quais provam que o habeas corpus é destinado tão somente a proteger a liberdade pessoal, isto é, o poder de franca locomoção:
personal liberty is the power of unrestrained locomotion.
Este artigo, pela expressão indivíduo, circunscreve a disposição a pessoa física. Na hipótese, por exemplo, do art. 80, § 2º da lei fundamental, só as pessoas físicas podem ser presas e desterradas e não as morais, por não serem susceptíveis de prisão ou desterro.
O impetrante e paciente não está coagido em sua liberdade, nem ameaçado de constrangimento ilegal com relação à sua pessoa.
Para conseguir a publicação de seus discursos parlamentares em todos os jornais desta cidade, discursos já publicados no órgão oficial do Congresso Nacional, o habeas corpus, é, a meu ver, meio inteiramente idôneo.
De meritis, neguei o habeas corpus, por entender que na vigência do estado de sítio o Poder Executivo pode prender e desterrar tanto deputados como senadores, desde que perturbem a ordem pública, pois, o art. 80, § 2º, da Constituição, não excluiu da prisão e detenção as pessoas que têm mandato legislativo.
Não criou uma isenção, uma imunidade, um privilégio, que seria odioso, para uma determinada classe, para os membros do Congresso Nacional.
O Poder Legislativo já reconheceu que o sítio suspende as imunidades parlamentares.
O Supremo Tribunal não tem absolutamente competência para criar uma restrição, que não está expressa na Constituição.
Nos Estados Unidos da América do Norte os membros do Poder Legislativo não têm absoluta imunidade, pois podem ser presos por traição, felonia ou perturbação da ordem pública. (Const. Amer., art. 1º, § VI, n. 1).
Pela nossa Constituição os deputados e senadores podem também ser presos nos tempos normais no caso de flagrância em crime inafiançável (Const. art. 20).
Se um senador ou deputado abandona a tribuna do Parlamento para pregar a revolta ou a revolução, equipara-se, nivela-se a qualquer cidadão, despe-se voluntariamente de suas imunidades, que são inerentes à função. Não se compreende que os que assim procedem sejam juízes em causa própria, juízes e partes ao mesmo tempo. Salus populi suprema lex esto.
O estado de sítio, medida de salvação pública, seria completamente inútil, se permitisse aos membros do Legislativo a imunidade de subverter a ordem pública.
O Congresso Nacional é o único juiz da declaração ou decretação do sítio pelo governo Federal.
O Poder Judiciário não pode intervir nas funções governamentais ou políticas do Presidente da República. Só ao Legislativo compete aprovar ou suspender o sítio declarado pelo Poder Executivo.
"A atribuição de aprovar a declaração do estado de sítio, disse João Barbalho, na sessão do Senado de 1º de junho de 1895, independe da aprovação dos atos do governo e tem por escopo verificar se as condições constitucionais para a decretação do estado de sítio se tenham realmente dado, ou, por outra, se houve realmente motivo para ser decretado o sítio pelo Poder Executivo, mas não visa o exame e apreciação dos atos praticados pelas autoridades durante o sítio".
Salvas as restrições quanto às pessoas, nada inibe o governo de suspender outras garantias como a da liberdade de imprensa. Tanto o Legislativo como o Executivo podem suspendê-la.
O poder excepcional do governo, em matéria de intervenção, como em matéria de estado de sítio, exercido sob o exame imediato do Poder Legislativo, escapa à intromissão judicial.
O governo nestes casos representa o Parlamento.
A substituição condicional do segundo pelo primeiro resulta da necessidade de assegurar prontamente a defesa interior ou a ordem material da Nação.
Tratando-se, por conseguinte, de ato político ou governamental do Executivo, do qual é único juiz o Legislativo, não tomei conhecimento do pedido, mas obrigado a pronunciar-me de meritis, pelo voto da maioria, neguei o habeas corpus.
OPÇÕES DE NAVEGAÇÃO NO MESMO TEMA:
(Fonte: links do site www.casaruibarbosa.gov.br)