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Caso do navio "Júpiter" - HC 406
Impetrado habeas corpus por Rui Barbosa, em favor de David Ben Obill e outros, brasileiros e estrangeiros civis, num total de 48, presos por militares cumprindo ordem do Vice-Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, a bordo do navio mercante "Júpiter", capturado no litoral de Santa Catarina.
Presos por crime militar inafiançável, juntamente com todos os ocupantes do navio, ficam retidos ilegalmente, conforme alegação do advogado, nas Fortalezas de Santa Cruz e Lage, no Rio de Janeiro, sem nota de culpa e à disposição da Justiça Militar, incompetente para julgá-los.
Relator: Ministro Barros Pimentel.
Data do julgamento: 2.8.1893 e 9.8.1893.
Decisão: Concedida a ordem de soltura em favor dos detidos, por
maioria.
Publicação do acórdão: BARBOSA, Rui, Obras
Completas de Rui Barbosa, RJ, v. XX, 1893, t. V, MEC, 1958, p. 291.
Revista O Direito, v. 62/86-88.
Íntegra do Acórdão:
HABEAS-CORPUS Nº 406
Vista, exposta e discutida a matéria da petição junta de habeas corpus, impetrada pelo cidadão Ruy Barbosa, em favor dos presos David Ben Obill, Francisco da Silva, Américo Amaro da Silva e outros, em número de 48, em sua generalidade cidadãos brasileiros, além de quaisquer outros, nas mesmas condições, todos recolhidos às fortalezas de Santa Cruz e Lage, por ordem do Presidente da República, tendo sido apresentada pelo juiz relator a preliminar da incompetência do Tribunal para tomar conhecimento dela, por ser originária, não passou por maioria de votos; em seguida apresentada pelo mesmo relator nova preliminar, por não estar a petição nos termos do art. 341 § 2º do Código do Processo, a qual igualmente não passou por maioria de votos; e finalmente sendo discutida de meritis a matéria da petição, foi concedida a ordem impetrada em prol dos sobreditos pacientes e designada a sessão do dia 9 do corrente mês às 10 horas da manhã para o comparecimento de todos os pacientes, e bem assim a apresentação das informações que o Governo entender dar, por intermédio do Ministério dos Negócios da Guerra, acerca dos motivos legais que autorizaram e obrigam a conservação deles nas prisões em que se acham. Pagas afinal as custas.
Supremo Tribunal Federal, 2 de agosto de 1893. - Freitas Henriques, Presidente. - Barros Pimentel: Vencido nas preliminares. - Aquino e Castro. - Ovidio de Loureiro, vencido. - Pereira Franco. - Faria Lemos: vencido na 2ª preliminar. Votei para que não se conhecesse da petição por não estar instruída na forma da lei. - José Hygino. - Bento Lisboa, vencido na 2ª preliminar. - Ferreira de Rezende. - Barradas, vencido quanto à 1ª preliminar. Continuo a entender que o Supremo Tribunal Federal não pode conceder habeas corpus originariamente, senão nos restritos casos, em que lhe compete julgar em única instância. Nos outros casos somente pode conhecer em grau de recurso. - Andrade Pinto: vencido na preliminar sobre o conhecimento originário do habeas corpus, por entender que a competência originária e também privativa do Supremo Tribunal Federal restringe-se aos casos enumerados no art. 59, nº 1 da Constituição da República. Fui presente. - Sobral.
HABEAS-CORPUS Nº 406
Vistos, expostos e discutidos os presentes autos de habeas corpus, em que são pacientes David Ben Obill e outros, resolve o Supremo Tribunal Federal conceder a referida ordem de soltura em favor dos detidos, visto ser ilegal a conservação da prisão em que se acham, desde que se verifica pelos autos e pelas informações prestadas, que os fatos que lhes são imputados, não constituem crimes que os sujeitem ao foro militar.
Supremo Tribunal Federal, 9 de agosto de 1893. - Freitas Henriques, Presidente. - Barros Pimentel. - Andrade Pinto. - Aquino e Castro. - Ovidio de Loureiro. - Barradas. - Piza e Almeida. - Macedo Soares. - Faria Lemos, vencido.
Votei pela continuação dos pacientes na prisão, que foi realizada por autoridade competente, por crime inafiançável e em flagrante delito, devendo, porém, ser os mesmos pacientes remetidos para o juízo competente, afim de ser-lhes ali instaurado o respectivo processo, visto não ser militar o delito cometido. - Bento Lisboa. - José Hygino. - Ferreira de Rezende.
Fui presente e requisitei que, entendendo o Tribunal não estarem em vigor os dois códigos penais da marinha promulgados em novembro de 1890 e março de 1891, fossem os prisioneiros paisanos remetidos ao juiz seccional competente, visto não desconhecer o mesmo Tribunal a legalidade da prisão efetuada em flagrante delito, e atentas as disposições do art. 1º, §§ 2º e 5º, da lei nº 631 de 18 de setembro de 1851, e art. 60, letra I, da Constituição. Sobral.;
É impetrada ordem de habeas corpus por Rui Barbosa, em favor de Mário Aurélio da Silveira, isoladamente, Imediato do Vapor Júpiter, civil, preso por ordem do Marechal Floriano Peixoto, juntamente com todos os passageiros e tripulantes, quando o navio foi capturado por militares, e remetido para a Fortaleza da Ilha de Cobras. Não figurou na lista de pacientes do Habeas Corpus nº 406 por falta de informação a seu respeito naquela ocasião. A argüição de ilegalidade da prisão é a mesma produzida na petição do citado habeas corpus.
HABEAS CORPUS Nº 410
ACÓRDÃO DE 12 DE AGOSTO
Vistos e expostos os presentes autos de petição de habeas-corpus,
em que é impetrante o advogado Rui Barbosa, a favor do paciente
Mário Aurélio da Silveira, imediato do Vapor - Júpiter,
que acha-se, segundo consta ao impetrante, detido na fortaleza da Ilha
das Cobras, onde o Governo o tem, sujeitando-o à mesma incomunicabilidade
em que se achavam os outros passageiros civis e tripulantes do referido
vapor e deixara o impetrante de contemplá-lo na primeira petição
de habeas corpus, já julgada, por falta de informações
a esse respeito.
Concedem a requerida Ordem de habeas corpus e designam o dia 16 do corrente mês, às 10 horas da manhã para ser ele apresentado à barra do Tribunal e virem as informações sobre os motivos da prisão e conservação do paciente na dita fortaleza, fazendo-se todas as requisições precisas ao Governo, por intermédio do Ministério dos Negócios da Marinha.
Supremo Tribunal Federal, 12 de agosto de 1893.
- Freitas Henriques,P.
- Piza e Almeida.
- Macedo Soares.
- Ovídio de Loureiro.
- Faria Lemos.
- José Hygino.
- Bento Lisboa.
- Ferreira de Resende.
- Aquino e Castro.
- Barros Pimentel.
HABEAS CORPUS Nº 410
ACÓRDÃO DE 16 DE AGOSTO
Vistos, expostos e discutidos os presentes autos de petição
de habeas corpus, em que é impetrante o advogado Rui Barbosa, a
favor do paciente Mário Aurélio da Silveira, imediato do
vapor Júpiter - que se acha detido na fortaleza da - Ilha das Cobras,
onde o Governo o conserva, sujeitando-o à mesma incomunicabilidade
em que se achavam os outros passageiros civis e tripulantes ao referido
vapor; resolve o Supremo Tribunal Federal proceder ao julgamento da mencionada
petição, conquanto o Secretário de Estado dos Negócios
da Marinha não tenha prestado as informações que
lhe foram exigidas nem expedido as ordens necessárias para ser
o paciente apresentado perante o Tribunal no dia e horas marcadas e que
lhe foram requisitadas por ofício de 14 do corrente, de acordo
com as imperativas disposições do art. 343 e seguintes do
Código do Processo:
E considerando:
Que incumbe aos Tribunais de Justiça verificar a validade das normas que têm de aplicar aos casos ocorrentes e negar efeitos jurídicos àquelas que forem incompatíveis com a Constituição, por ser esta a lei suprema e fundamental do país;
Que este dever não só decorre da índole e natureza do Poder Judiciário, cuja missão cifra-se em declarar o direito vigente, aplicável aos casos ocorrentes regularmente sujeitos à sua decisão, se não também é reconhecido no art. 60, letra "a", da Constituição que inclui na competência da Justiça Federal o processo e julgamento das causas em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa em disposição Constitucional;
Que a não aplicação de um Decreto regulamentar ou ato legislativo a casos ocorrentes, sob o fundamento de inconstitucionalidade não importa a revogação do mesmo ato, a qual formalmente só pode competir ao Poder de quem ele emana;
Que, para firmar-se a competência do foro da Marinha, não podem ser invocadas as regras estabelecidas no Código Penal da Armada de 7 de março de 1891; porquanto o dito Código se funda no Decreto de fevereiro do mesmo ano que autorizou o Ministério da Marinha a reformar o primeiro Código da Armada de 5 de novembro de 1890, e uma tal autorização não tendo sido utilizada, durante o período do Governo Provisório e ditatorial, não podia mais sê-lo, como aliás o foi, no período constitucional;
Que, com efeito, o artigo 83 da Constituição manda somente vigorar as leis anteriores que forem compatíveis com o novo regimen e, sendo um dos princípios fundamentais da ordem constitucional a separação dos poderes e a privativa competência do Congresso para legislar, a autorização legislativa contida naquele Decreto caducou, ex-vi da promulgação da Constituição, faltando assim ao Código de 7 de março toda a base legal;
Que não vigorando também o primeiro Código Penal da Armada de 5 de novembro de 1890, indefinidamente suspenso pelo Decreto de 4 de fevereiro do ano seguinte, a competência do foro comum e a do foro especial militar se discriminam em face das disposições do Código Penal comum e das leis militares em vigor;
Que a lei nº 631 de 18 de setembro de 1851 é a única que, alargando o conceito do crime militar estritamente fixado pela provisão de 20 de outubro de 1834, declarou militar certos crimes cometidos por paisanos e sujeitou os delinqüentes, ainda quando não seja militar, ao julgamento dos Conselhos de Guerra;
Que, segundo o art. 1º da mesma lei os paisanos sujeitos à justiça militar são somente os que no caso de guerra externa e no território, onde tiverem lugar as operações do exército, cometerem os seguintes crimes:
1º espionagem;
2º sedução de praças que façam parte das forças do governo, para que desertem para o inimigo;
3º sedução de praças para que se levantem contra o Governo ou os seus superiores;
4º ataque dirigido contra as sentinelas;
5º penetrar nas fortalezas por lugares defesos; que o paciente não pode ser compreendido em nenhum dos casos excepcionais mencionados no art. 1º da lei citada; porquanto, falta na hipótese a circunstância elementar do estado de guerra externa;
Que, além disto, dos cincos delitos ali declarados, dois ¾ os dos números 2 e 3 ¾ cessarão de ser militares quando cometidos por paisanos, ainda mesmo em estado de guerra externa.
Com efeito, o Código Penal comum prevê e define nos arts. 91, 92 e 93 os crimes de sedução de praças para deserção ou para se levantarem contra o Governo, em tempo de paz ou de guerra, e como o mesmo Código só compreende os crimes civis, segundo decorre do seu art. 6º, 1. b, segue-se que os paisanos acusados daqueles delitos não podem ser processados e julgados no foro militar.
Que, assim, nenhum princípio ou regra de direito há, sobre que assente, no caso vertente, a competência do foro militar para tomar conhecimento do delito ou delitos imputados ao paciente; que, por outro lado, contra o paciente não prevalece a exceção estabelecida do art. 47 do Decreto 848 de 11 de outubro de 1890, que inibe o habeas corpus, quando a prisão é decretada por autoridade militar, nos casos de jurisdição restrita e contra indivíduos da mesma classe ou de classe diferente, mais sujeitos a regimento militar; porquanto, não se dando caso de jurisdição restrita militar e não sendo o paciente militar nem pertencendo a classe sujeita a regimen militar; é manifesto, que não se verificam as condições do citado artigo 47;
Que, finalmente, a prisão militar e a incompetência de foro onde o paciente responde constitui constrangimento ilegal, nos termos do artigo 353 §§ 3º e 4º e do art. 18 da lei de 20 setembro de 1871; e têm, portanto cabimento o habeas corpus conforme o preceito do art. 72, § 23 da Constituição, que manda dar sempre que alguém sofrer ou estiver em iminente perigo de sofrer coação ilegal;
Assim, deferem a petição de fls. 2 e mandam que se passe ordem de soltura a favor do paciente.
Custas ex-causa.
Supremo Tribunal Federal, aos 16 de agosto de 1893. - Freitas Henriques,
Presidente.
- José Hygino.
- Ovídio de Loureiro: - vencido; não impugnando só
a conclusão.
- Pereira Franco.
- Piza e Almeida.
- Faria Lemos, vencido.
- Ferreira de Resende; neguei a soltura do paciente: 1º porque tendo o detentor desobedecido à ordem do Tribunal a este o que cumpria, era dar as providências para que o comparecimento do mesmo paciente se efetuasse e só então é que eu o poderia soltá-lo ou não, art. 350 do Código do Processo Criminal combinado com os arts. 347 e segs. e segundo porque, não existindo informações de qualidade alguma, não me considerei habilitado para julgar, quando nem sequer tinha certeza se era o paciente militar ou não, arts. 351 e 352 do mesmo Código.
- Bento Lisboa.
- Aquino e Castro, de acordo na conclusão.
- Macedo Soares.
- Barros Pimentel. Não fui presente à aprovação do enunciado ou redação da sentença; sou, porém, de acordo com a conclusão, como se venceu no julgamento do habeas corpus. Quanto aos motivos do meu voto, - expendi-os com o necessário desenvolvimento na discussão da causa, à qual me reporto.
OPÇÕES DE NAVEGAÇÃO NO MESMO TEMA:(Fonte: links do site www.casaruibarbosa.gov.br)